
Uma leitura do filme “Babylon” *
Por Alexandre Freire Duarte
É terrível já ter visto este filme há quase dois meses e ainda não o ter digerido – salvo seja –, pois está-me a ser difícil de processar a dissonância histriónica, decadente e caoticamente hedonista de “Babylon”. Não tenho dúvida alguma que o retratado é fiel à história, mas condensá-lo nuns extensíssimos 180 minutos foi deveras indigesto. Mas algo é certo: podemos não ver o filme, mas não ouvir a banda-sonora é quase um pecado.
A musicalidade cinematográfica do diretor é notória; Robbie e Pitt (situados em extremos de sucesso numa transição capital no cinema) são interessantes, mas por mais que a primeira se esgote (e nos esgote) e o segundo brilhe como as luzes intermitentes, o que lhes foi pedido impede-os de saírem totalmente dos seus espartilhos. Já os demais atores parecem, em geral, fugazes reticências sem sentido algum nesta história a diversos níveis escatológica. Em suma: eis um filme que é um ostensivo hino “pornográfico” à “pornografia”, mais ou menos invisível, que se tornou, até hoje, o cinema de Hollywood.
«Vaidade, tudo é vaidade» já o disse o Qohelet, e, de facto, este filme mostra que nem tudo o que brilha, nem toda a fama, nem todo o dinheiro elimina o facto de que, sem o amor que nos vem de Deus-Amor (e nós damos aos demais e a Ele), somos vapor e só fazemos futilidades. Nada de consistente há em, e decorrerá de nós, por mais que nos “colemos” com fúria a famosos, a poderosos, a importantes, a influentes (ou os sejamos).
Vivemos tempos análogos aos retratados em “Babylon”: tempos de rápidas mutações dramáticas, em que o que era seguro ontem se torna ausente hoje; em que o certo de ontem é o errado de hoje; em que a moderação e a temperança deixaram de ser valores e passaram a ser vistos – como fazem os cristãos com o amor e só com o amor – como contra- e até anti-valores. Acontece que longe desses dois pilares, os exageros que acabam por nos acalentar enfatuam um “ego” que ambiciona, não só (astutamente mascarado, inclusive de “humildade”) o ser o centro das atenções, como espezinhar, com um hediondo deleite viciante, todos os demais que não o idolatrem nesse processo.
O “custo humano” – perdoem-me esta expressão – de tudo isto é terrível e infrene. Podemos vê-lo todos os dias e em quase todos os locais (se calhar, e desde logo, nas nossas famílias). Eis: o aumento dos suicídios, da pobreza, da insegurança alimentar, da solidão e das doenças mentais; a mediocridade do ensino (e, verdade seja dita, da catequese e da evangelização, mormente por falta de formação dos seus agentes); o acesso desigual à saúde e à justiça; enfim, a hipocrisia, desinformação e autoritarismo impunes e impenitentes. Toda a mudança implica câmbios nas pessoas nela envolvidas, mas não é forçoso deixar ninguém “para trás” em (auto-)destruição espiritual acelerada.
E que fazemos nós, cristãos, ante isto? Unimo-nos ou desunimo-nos? Dizemos apenas “que tristeza”, ou damo-nos, com todo o nosso ser no Senhor, no acender o real para melhor? Dizemos só “que pequeno”, ou erguemo-nos à altura do Homem Jesus? Não vacilemos: o Mundo precisa de nós, e se nós refreamos no amor, ele estaca; se nos sentarmos numa lamúria pelo amor que não vivemos, ele deita-se apático; se duvidamos do amor, ele deprime. Empenhemos, pois, a vida e, em Jesus, traguemos o nosso “ego”.
(* EUA, 2022; dirigido por Damien Chazelle; com Margot Robbie, Brad Pitt, Olivia Wilde, Samara Weaving e Tobey Maguire)