Os sacramentos Pascais

Foto: Rui Saraiva

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Percorrendo os textos litúrgicos desde Cinzas até à Vigília, a terminologia «sacramental» aparece de forma recorrente. O mais das vezes aplica-se à participação no sacramento da Eucaristia pela comunhão: é o «Sacramento» por antonomásia. Mas, como vimos, a coleta e a oração sobre as oblatas do primeiro domingo da quaresma chamam «sacramento» ao próprio tempo litúrgico da quaresma, com as suas práticas litúrgicas e ascéticas. E a própria Igreja é chamada «Sacramento» numa oração da Vigília Pascal (após a 7ª leitura).

Mas a expressão «sacramento(s) pascal(ais)», de forma abrangente e sem especificações, aparece noutras orações: pede-se a graça de caminhar fervorosamente para os «mistérios pascais» (em Latim «paschalibus sacramentis inharentes») (Coleta sáb. Quar III); cantam-se os «sacramentos pascais» (o Latim diz «sagrados mistério» – «sacris mysteriis») com que Jesus Cristo, Deus eterno, nos faz passar da morte à vida tal como ressuscitou Lázaro (prefácio do V domingo da Quaresma); pede-se a graça de receber os frutos do «sacramento pascal» (o latim fala no plural: «paschalia sacramenta») (SP 4ªFa Santa); recorda-se o «paschale sacramentum» (no MR português: «sacrifício pascal») mediante o qual Deus faz de Abraão o pai de todas as nações (oração após a 2ª leitura da Vigília Pascal); glorifica-se a Deus que nos instrui com as páginas do Antigo e do Novo Testamento para celebrar o «paschale sacramentum» («mistério pascal», na tradução oficial portuguesa) (oração alternativa após a sétima leitura).

Muito próximas do sintagma «sacramento(s) pascal(is) são outras: «mistérios da renovação cristã»; «mistérios (em latim sacramentos) da paixão do Senhor» a celebrar dignamente (Col. 3ª fª Santa); «mistério – latim: «sacramentum» – da nossa redenção» que se renova nos dias solenes da Paixão e da Ressurreição (Prefácio II da Paixão); «sacramentos admiráveis» – «inefáveis», diz o Latim – com que Deus renova o mundo (Coleta de 2ª-fª Quar IV)…

Em suma, este textos da Igreja em oração fazem um uso analógico e aberto dos termos sacramento/mistério, uso que foi corrente também na linguagem dos Padres e dos Teólogos antes de uma linguagem técnica, a partir do período da Alta Escolástica, os restringir às sete ações litúrgicas maiores da Igreja assim designadas na catequese oficial.

Quais são então os sacramentos pascais?

Olhando para os textos litúrgicos, diremos que a designação refere, em primeiro lugar, o próprio acontecimento da paixão, morte, sepultura e ressurreição/glorificação de Jesus visto no seu todo como «obra da redenção», presente e atuante no «hoje» da liturgia, de tal modo que os homens de todos os tempos e lugares nele possam participar pela fé e pelas mediações rituais, de modo a receber os seus frutos de salvação e a viver deles numa vida nova. Nestas mediações rituais entra criação e cultura: sol e lua, luz, trevas, tempo, espaço, terra, água, fogo, cinzas, azeite, perfume, pão, vinho, corpo, vestes, gestos, atitudes e movimentos, palavras, preces e aclamações, leituras, silêncio, canto e música nas suas várias modalidades e expressões… É tudo isso e ainda mais que faz com que o sacramento ou mistério pascal não seja uma doutrina, uma mera «recordação da recordação de alguém» (Papa Francisco), mas uma experiência efetiva, uma presença viva, um encontro atual, um hoje em que história e eternidade se intersectam com a vida de pessoas concretas que, de forma corpórea, pela mediação simbólica acolhida/instituída pela Igreja na sua «lex orandi», a qual no seu significante abraça todas essas realidades da criação e da cultura, se unem à Páscoa de Cristo o acontecimento de uma vez por todas que jamais caduca e pode assim transformar a vida de todos, enquanto o tempo for tempo.

Neste sentido aberto e primeiro, toda a Liturgia é sacramento pascal, tanto nas ações maiores da Igreja que se cristalizaram nos sete sacramentos principais, como na oração pública e comunitária (a Liturgia das Horas) que faz do tempo a sua quase matéria para o transformar em sacrifício de louvor, como na celebração das bênçãos, dos diversos sacramentais e das Exéquias dos fieis defuntos, como na distribuição ao longo de um ano de todo o mistério de Cristo que nele se torna, de algum modo, presente e atuante, continuando a passar no meio de nós com a sua imensa e benfazeja misericórdia.