Cáritas substitui o Estado, que “foge às responsabilidades”, garante o presidente da Cáritas Diocesana do Porto 

O peditório nacional, que se realiza entre 5 e 12 de março, representa 60% das receitas da organização. “Recebemos donativos meia dúzia de dias por ano e depois temos intervenção direta 365 dias”, revela Paulo Gonçalves.

A poucos dias do início do peditório nacional da Cáritas, Paulo Gonçalves, diretor da Cáritas diocesana do Porto, falou com a Voz Portucalense e apontou para esta semana, que representa mais de metade das receitas anuais.

“É a nossa grande fonte de rendimento. É muito importante para nós, vale 60% das nossas receitas”, disse Paulo Gonçalves.

Para este peditório, que este ano se realiza entre 5 e 12 de março, a Cáritas Diocesana do Porto deposita grande esperança na ajuda espontânea das pessoas e das empresas que “batem à porta”.

Contudo, apesar de concentrar a receita nesta semana, Paulo Gonçalves não deixa de lembrar que a ajuda de uma semana não sustenta todo um ano de apoio a famílias.

“É relativamente frustrante perceber que recebemos donativos meia dúzia de dias por ano e depois temos intervenção direta 365 dias.”

Esta falta de apoios obriga a Cáritas a ser criteriosa nos apoios que dá. A intenção seria sempre ajudar toda a gente, mas isso não seria “sustentável” para a organização, que muitas vezes é a única solução para as pessoas.

A Cáritas assume uma posição de ajuda, que muitas vezes, face à ausência de resposta do estado, se torna a única opção para as pessoas que necessitam de apoio.

“O estado foge às suas responsabilidades. A Cáritas e a Igreja estão constantemente a substituir o papel do estado, que demora anos a resolver problemas”, defende Paulo Gonçalves.

Mesmo na saúde, uma das principais áreas de impacto da organização da diocese do Porto, a resposta do estado é deficitária e as pessoas são “empurradas” para a Cáritas.

A Cáritas Diocesana do Porto tem um protocolo com a Universidade Católica do Porto, que permite o estágio de cerca de 15 jovens enfermeiros que prestam um serviço de proximidade às famílias carenciadas e aos idosos. Além disso, a organização já fez um grande investimento em material ortopédico, entre camas articuladas e cadeiras de rodas. A Cáritas portuense tem mais de 600 equipamentos distribuídos pela diocese, o que corresponde a um investimento superior a 600 mil euros.

“Portugal tem um excelente Serviço Nacional de Saúde, mas no dia a seguinte às pessoas saírem dos hospitais ou centros de saúde, a resposta do estado não existe”, revela o responsável.

Infelizmente, não é só no estado que, para Paulo Gonçalves, o estado falha. Recuando cerca de um ano, recorda os primeiros tempos da Guerra na Ucrânia, quando houve um esforço extraordinário para receber refugiados. Esforço esse que rapidamente desvaneceu.

“Houve uma preocupação excecional e a capacidade de resposta foi muito boa. Mas depois não há continuação. São pessoas que estão a ajudar o país com mão de obra, mas depois vivem dez no mesmo quarto e a passarem fome. Em condições piores do que no país de onde vieram”, acrescentou.

Esta guerra trouxe efeitos a todos os níveis para a Cáritas. Com o aumento dos custos de energia os pedidos de ajuda cresceram, quer por parte de ucranianos, quer por outras pessoas que também sentiram na pele o efeito do aumento do custo de vida.

“Tivemos muitos alunos, sobretudo dos PALOP, que não conseguiram ter condições para terminar os estudos e precisavam da nossa ajuda para regressarem a casa. 2022 foi um ano muito complicado, não o vamos recordar como um ano positivo.”

A acrescentar à dificuldade em lidar com a conjuntura mundial, surgiram problemas internos, motivados por uma mudança de espaço. A Cáritas teve de abandonar um edifício e retomar as funções numa habitação contígua à anterior, mas com menos de metade do espaço.

“A falta de espaço é um problema. Quando temos bastantes donativos torna-se um problema. Estes acidentes [pandemia, guerra e troca de espaço da Cáritas] aconteceram quase todos em simultâneo e ainda nos estamos a reorganizar.”

Para este problema, também não ajudou o “excesso de voluntarismo” das pessoas, que deram muitos alimentos para ajudar na guerra, sem perguntar “se nas fronteiras com a Ucrânia precisavam dessas ajudas”. Isto fez com que muita da ajuda angariada pelas autarquias, que não as conseguiram distribuir, fossem para a Cáritas, que se viu obrigada a esforços redobrados, sem perder o sentido de missão.

“Tínhamos duas soluções. Ou não aceitávamos, ou arranjávamos soluções. Nesse momento sentimos que as famílias ucranianas precisavam de ajuda e procuramos dar esse apoio. Mas não estávamos preparados para um volume tão anormal de doações.”

O presidente da Cáritas apontou ao futuro e admitiu que o futuro da Cáritas do Porto passa por melhorar cada vez mais as áreas de impacto, antes de pensar em expandir o raio de ação. Paulo Gonçalves faz questão de dizer que é um trabalho que está sempre inacabado.

MC