
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
A santa mãe Igreja nunca o escondeu: os seus filhos, chamados à santidade, são pecadores e sempre carecem de conversão e penitência. Por isso, para além dos sacramentos da iniciação cristã, convida-os a celebrarem sacramentos «de cura». E a finalidade principal da celebração dos santos mistérios – coração pulsante da vida cristã – não é a transubstanciação do pão e do vinho, levados ao altar, no Corpo e Sangue do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, mas sim a consagração dos fiéis pela força do Espírito – epiclese indispensável – num só Corpo e num só espírito mediante a participação nesses dons consagrados. Mas os seres livres que incorporam a Igreja celebrante oferecem bem mais resistência a esse processo de transformação do que os frutos da terra e do trabalho humano levados ao Altar para o memorial da Páscoa. E é por isso que a Eucaristia precisa de ser celebrada muitas vezes até desembocar no banquete do reino dos céus.
Há quem afirme que a perspetiva do pecado e da penitência, reaflorando recorrentemente ao longo da celebração eucarística, ensombra excessivamente o júbilo da Eucaristia, sacrifício de louvor. Só que este sacrifício de louvor, que nos transporta ao júbilo da manhã de Páscoa, é indissociavelmente memorial da redenção, presença incruenta do tremendo e cruento sacrifício da Cruz, anúncio perene da morte do Senhor. Não nos podemos sentar à Mesa sagrada deste Mistério assombroso com a ligeireza de quem partilha umas vitualhas num picnic amistoso mas trivial. E por isso a Mãe Igreja quer que os seus filhos tomem consciência cada vez mais viva da grandeza e gravidade do mistério para o qual são convidados e participem nele com as devidas disposições de coração lavado e pureza de vida.
É por isso que os ritos iniciais da celebração eucarística comportam, habitualmente, um Ato Penitencial em que todos os membros da assembleia se reconhecem pecadores e invocam a misericórdia do Senhor. Durante a maior parte do ano litúrgico, canta-se o hino Glória a Deus nas alturas, mas essa grande doxologia inclui sempre invocações suplicando piedade ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Antes de participar no sacramento do Corpo e Sangue de Cristo pela Comunhão, a comunidade reza a oração do Senhor, pedindo o perdão e dispondo-se a perdoar. E, no embolismo que se segue, pede a libertação de todo o mal e, nomeadamente, do pecado. Em seguida, na Oração da Paz, pede-se ao Senhor que não olhe «para os nossos pecados» mas para a fé da Sua Igreja. Durante a Fração invoca-se a piedade ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e, imediatamente antes de comungar, todos se declaram indignos de receber na sua morada o Hóspede divino e só o ousam fazer por inaudita e sublime condescendência do Salvador.
A Liturgia da Igreja requer dos bispos, padres e diáconos, chamados a presidir ou/e servir à comunidade eclesial, as mesmas expressões de conversão e penitência dos demais fiéis. Mas acrescenta-lhes outras. Não, certamente, porque, em termos gerais, presuma que são mais pecadores do que os seus outros irmãos. Mas, porventura, porque deveriam sê-lo menos. E porque o propósito com que todos os fiéis se devem preparar para corresponder ao desejo ardente que o Senhor Jesus tem de comer a Páscoa com os seus amigos deve ser ainda mais suscitado e incrementado nos que mais se aproximam da Mesa sagrada.
É assim que, antes de proclamar o Evangelho, o presbítero pede ao Senhor que purifique os seus lábios e o seu coração e o diácono recebe uma bênção com palavras equivalentes porque, como reconhecia Isaías, antes de os seus lábios serem purificados pelo carvão ardente, são homens de lábios impuros e vivem no meio de um povo de lábios impuros (Is 6, 5). Depois de proclamar a Evangelho, o ministro dá um beijo no livro ao mesmo tempo que suplica, em silêncio: «Por este Santo Evangelho, perdoai-nos, Senhor». Após a apresentação do pão e do cálice, o celebrante inclina-se e reza em silêncio a oração de Azarias: «De coração humilhado e contrito, sejamos recebidos por Vós, Senhor…» (cf. Dn 3, 39). Em seguida, faz o lavabo, ao mesmo tempo que diz, em silêncio: « Lavai-me, Senhor, da minha iniquidade e purificai-me do meu pecado». A IGMR é clara no sentido deste rito, que não tem motivações propriamente higiénicas, mas sim simbólicas: «Com este rito se exprime o desejo de uma purificação interior» (IGMR 76). Por fim, antes de comungar, o Missal convida o celebrante a rezar em silêncio uma de duas orações em que suplica ao Senhor Jesus Cristo que o livre de todos os seus pecados e de todo o mal ou que a Comunhão no Corpo e Sangue de Cristo não seja motivo de julgamento e condenação mas antes lhe sirva de proteção e remédio. Porque, como reza de novo em silêncio, durante a ablução dos vasos sagrados, o sacramento recebido na boca deve ser acolhido em coração puro.
Será que, nestes tempos que são os nossos, alguém considera excessiva esta insistência do Missal?