O Cinema visto pela Teologia (55): “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”

Uma leitura do filme “Glass Onion: Um Mistério Knives Out*​​

Por Alexandre Freire Duarte

“Glass Onion” é, exteriormente, uma sequela genérica do filme detectivesco “Knives Out”, de há alguns anos, mantendo a diversão, a inteligência e a comicidade (engraçada e nervosa) deste filme, mas incutindo um tom de frescura próprio à sensibilidade pós-covid. Eis a razão de não estarmos apenas ante uma sequela, mas, antes, um filme que se sustenta brilhantemente por si mesmo, à medida que se vão tirando as camadas motivacionais desta “cebola” de crítica social, em que a essência do mistério é o próprio mistério.

Johnson passa o filme a brincar com as “trivialidades” dos filmes de mistério, contando (apesar da existência de algumas personagens secundárias insubstanciais) com as radiosas atuações dum Craig tecnicamente excecional, de uma Monáe que lhe dá um sólido contrapeso e de uma Hudson que articula extravagância com fragilidade e densidade. A trama é limpa e com algum material notável que divaga, de mudança em mudança, até um clímax emocional sólido e terapêutico, mas dissociado. A fotografia é singular e vistosa e a câmara está sempre a brincar com focagens e desvios que energizam a atenção aos objetos e ambientes.

Serei franco: este filme é tudo o que já referi, mas dizer isso é muito pouco. Ele é – intencionalmente? e, se sim, com que motivações? gozar com o seu próprio espectável público? – um límpido amplificador de um dos maiores problemas da nossa sociedade. Um tema ao qual, na minha opinião, a Teologia tem dado pouca atenção: a sociedade em geral – e, se calhar e como suas células, também nós próprios – funciona ao redor de uma soma de mentiras e de corrupções que não nos abalam devido ao ruído que nos distrai e prende. Eis-nos, assim, ineptos para reagir a essa soma que nutre os excessos e a fome do nosso “ego”.

Esse ruído compromete-nos e separa-nos da verdade, da justiça, da paz e do amor, mas não lhe queremos prestar atenção, pois se o fizéssemos, teríamos – sabemo-lo bem – que ver a nossa face distorcida, por esse “ego”, no fundo de um poço vazio. Um poço oco, pois cheio da vacuidade que, por detrás da estética exterior e do magnetismo artificial, nos chega dos influenciadores da moda popular e/ou elitista, os quais (movidos pela riqueza que destrói e destroça, no meio deste nosso presente mundo centrado nas trocas económicas) nos embalam para todos os objetivos menos Aquele que é fulcral: Deus-Amor. Ocorre, porém, que em vez da misericórdia louca d’Este, elegemos os pavores da vida de escravos presos ao medo.

O problema capital nisto tudo é que, nas nossas vidas e por mais disfarces que possamos usar, não vivemos “vidas paralelas”. Só temos uma. E quando (quiçá só à porta da “mãe morte”) despertarmos desta hipnose coletiva para a realidade, estaremos tão embalados nesse sentido artificial de viver que não conseguiremos “travar”; muito menos “dar a volta” para retornarmos a Jesus – o Deus connosco. Seremos “cebolas” às quais nos tiraram (e nós tirámos) as camadas superficiais, apenas para, no fim, encontrarmos o nosso núcleo totalmente vazio, quando deveria estar repleto do Espírito Santo – o Deus em nós. Aquele que, nesse momento, nos sussurraria: “não desaparecerás, pois Eu vivo em Ti e tu em Cristo”.

(* EUA, 2022; dirigido por Rian Johnson; com Daniel Craig, Edward Norton, Kate Hudson, Janelle Monáe e Dave Bautista)