Eucaristia, Sacramento da Caridade

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Às vezes acontece escutar declarações bombásticas em que, para enaltecer a importância da caridade na missão da Igreja e no testemunho cristão, pessoal e comunitário, se deprecia a importância da vida litúrgica e, nomeadamente, da celebração eucarística. Nada mais errado, ensina a tradição bimilenária da Igreja. O falecido Papa Bento XVI, cujo magistério litúrgico temos recordado, ensina precisamente o oposto tanto na sua primeira encíclica (Deus Caritas est, nn.13-14) como na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis.

Notemos que já São Paulo, em 1 Cor 16, 2, vincula a prática da comunhão fraterna, concretizada na partilha de bens em favor dos «santos» (cristãos das comunidades da Palestina que padeciam indigência) ao «primeiro dia da semana», o domingo, dia primordial do culto cristão. Registemos também o testemunho extraordinário de São Justino que, por meados do século II, refere como prática habitual, associada à Eucaristia no «dia chamado do Sol» (outra designação do Domingo que perdura nas línguas germânicas e anglo-saxónicas), a partilha de bens: «Os que vivem em abundância e querem repartir, dão, cada um o que lhe apraz e parece bem. E o que se recolhe é deposto aos pés daquele que preside, e ele, por seu turno, presta assistência aos órfãos, às viúvas, aos doentes, aos pobres, aos prisioneiros, aos estrangeiros de passagem, numa palavra, a todos os que sofrem necessidade» (Apologia  I, 67, 6).

A Eucaristia é, assim, desde bem cedo, o lugar por excelência da prática da beneficência e da «caridade social». «Assim se compreende – recordava Bento XVI na enc. Deus caritas est n. 16 – por que motivo o termo agape se tornou também um nome da Eucaristia: nesta a agape de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de nós».

Na mesma encíclica explicou bem o falecido Pontífice que não se podem dissociar as três vertentes da missão da Igreja: «A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia). São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros» (n. 25). Onde esta separação acontece, a caridade degrada-se numa «espécie de assistência social» que até se pode delegar porque deixou de brotar da natureza íntima da Igreja, deixou de pertencer à sua essência (Ibid.).

Não. Não é por engano que as Missionárias da Caridade da Beata Teresa de Calcutá dedicam tanto tempo à adoração eucarística. E o mesmo fazem muitas outras Congregações religiosas de vida ativa. Na sua constância no culto eucarístico – quer participando na celebração eucarística, quer demorando-se, de dia e de noite, em adoração ao SS. Sacramento reservado no Sacrário ou exposto solenemente, reside frequentemente o segredo da diferença da sua presença nos hospitais, nas escolas, nos lares de idosos, nas atividades apostólicas e missionárias mais diversas.

Na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, Bento XVI evidenciava este nexo: «Cada celebração eucarística atualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez da sua própria vida na cruz por nós e pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por cada irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço da caridade para com o próximo, que consiste precisamente no facto de eu amar, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. […] Por conseguinte, as nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a Eucaristia impele todo o que acredita n’Ele a fazer-se “pão repartido” para os outros e, consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno» (n. 88).