
Por M. Correia Fernandes
Na hora em que escrevo estará o Papa Francisco a caminho da República do Congo (Kinshasa) e do Sudão do Sul. São países extensos e o Sudão do Sul é o mais novo país do mundo, uma vez que foi em 2011 declarada e reconhecida a sua independência em relação ao Sudão, então o maior país da África. A sua independência verificou-se a partir de conflitos étnicos e interesses de domínio. Esta viagem já tinha sido adiada, bem como a do Congo. A grande intenção do papa Francisco, ao realizar no meio da sua debilidade física (foi conduzido em cadeira de rodas para o avião), mas pela força do espírito apostólico, está repleta de escolhos, que são as lutas e conflitos locais, tando no Congo como no Sudão.
O desejo desta visita resulta de vontade de contribuir para a diminuição da violência e sobretudo afirmar a presença da Igreja no mais jovem país do mundo, com uma grande percentagem de católicos. A viagem tem ainda uma dimensão ecuménica, uma vez que Francisco se faz acompanhar do Arcebispo de Cantuária, líder da Igreja anglicana e do Arcebispo escocês líder da Igreja presbiteriana. Junta assim a promoção da paz com o sentido ecuménico das Igrejas cristãs. Segundo informação da Santa Sé, Francisco vai deslocar-se em carro aberto, durante os vários compromissos, encontrando-se com representantes de instituições políticas, igrejas sociedade civil, em países onde cerca de cinquenta por cento da população é católica e onde muitas Congregações missionárias exercem atividade apostólica e aturado trabalho de desenvolvimento e edificação da paz, e também são vítimas do fanatismo dos interesses territoriais fomentadores das milícias armadas que provocam destruição populacional e civilizacional.
A promoção da paz entre os povos é uma das grandes dimensões da mensagem bíblica e da mensagem da Igreja através dos tempos, apesar de todas as lutas e conflitos ao longo dos séculos, em que o sentido religioso foi utilizado como pretexto de interesses territoriais e económicos.
Aí se pode lembrar a parábola evangélica do trigo e do joio: o mundo de hoje, como o do passado, é o mundo da convivência entre o trigo e o joio, entre ânsia da paz e a edificação da discórdia. O discernimento pessoal e social, a descoberta da justiça evangélica, as dinâmicas do sentido do amor fraterno deverão operacionalizar o crescimento do bem comum, do qual a Europa deveria tornar-se modelo para o mundo.
Os inimigos que semeiam o joio nas sociedades hodiernas estão por todo o lado: nas bombas dos terroristas, na violência familiar cada vez mais propalada, nas imagens das pantalhas, nos projetos sociais e culturais que exploram o sexo e a violência, que agudizam conflitos onde era possível encontrar colaboração, que exacerbam diferenças de cor ou de raça, que injetam na sociedade a atitude de amoralidade e dos comportamentos desviantes.
Porém abram-se os olhos às sementes do bem: o espírito fraterno e solidário das pessoas e estruturas que vivem e laboram para além do interesse pessoal e material, os gestos de abnegação e dedicação, o sentido da justiça que incorpora o próprio discurso político (é preciso passar das intenções às atitudes!), a sensibilidade aos valores, a colaboração entre sectores sociais complementares, a superação de conflitos artificiais, as dinâmicas da construção familiar edificadora do amor social, o respeito pelos direitos humanos: são possíveis caminhos do bem. Há sempre uma esperança que não engana.
Esta visita do Papa pode também sensibilizar a sociedade portuguesa para a preparação da presença do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, seguindo a proposta que lança aos jovens “Não levantem uma parede na vossa vida, abram o vosso coração a outras culturas”. Certamente lembraria que para além do equilíbrio entre os custos (sobre os quais se tem feito um alarido pouco sensato, expressão da nossa ínsita tendência anticlerical) e os benefícios materiais e humanos que deles derivam. A presença num dos mais pobres países do mundo não é sinal de exibicionismo, mas esforço e apelo de justiça e de paz. Como será também entre nós.