Refletindo sobre o Sínodo, analisando a fase diocesana percorrida e lançando um olhar sobre a nova fase continental, o padre Sérgio Leal, especialista em sinodalidade, considera que tem sido um caminho muito positivo porque alargado a todo o povo de Deus.
Por Rui Saraiva
O Sínodo iniciado pelo Papa Francisco em 2021, através da Secretaria Geral do Sínodo, tem vindo a aprofundar o movimento da Igreja em processo de discernimento coletivo, de participação, de encontro, de escuta e de diálogo. Aumentou também a intensidade de trabalho e o envolvimento dos participantes a cada mês que passa.
Em outubro passado foi publicado o Documento para a Etapa Continental (DEC). Um texto que sintetiza e analisa as sínteses nacionais que foram enviadas para a Secretaria Geral do Sínodo após a consulta diocesana que decorreu no primeiro ano de trabalho sinodal. “Alarga o espaço da tua tenda” é a frase do profeta Isaías que dá título ao DEC e que serve de inspiração para esta nova fase do processo sinodal.
Em novembro foi publicado o livro do Papa Francisco “Caminhar juntos. Palavras e reflexões sobre a sinodalidade”, com a chancela da Livraria Editora Vaticana. Trata-se de uma obra que recolhe os discursos de Francisco sobre o Sínodo.
Nestes primeiros meses de 2023, entre janeiro e março, vão decorrer assembleias sinodais continentais: África, Oceania, Médio Oriente, Ásia, América Latina, América do Norte e Europa.
A surpresa das pessoas por serem ouvidas
O padre Sérgio Leal é um dos principais especialistas de língua portuguesa em sinodalidade. É licenciado em Teologia Pastoral pela Universidade Lateranense em Roma, tendo defendido uma tese sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Publicou em outubro de 2021 o livro “O caminho sinodal com o Papa Francisco”.
O sacerdote é formador do Seminário Maior do Porto, pároco da Sé e docente da Universidade Católica Portuguesa. Coordena a página de Liturgia de “Voz Portucalense”. No âmbito deste processo sinodal tem colaborado com várias dioceses com palestras e reflexões. Especial destaque para a sua participação em julho passado no 7ºEncontro Nacional da Pascom, a Pastoral da Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Partilha aqui a sua reflexão sobre o estado atual do Sínodo e avança com algumas ideias para o futuro.
Em entrevista, o padre Sérgio Leal faz um balanço sobre a primeira fase do Sínodo, refletindo sobre o trabalho desenvolvido até ao momento, considerando que tem sido um caminho muito positivo porque alargado a todo o povo de Deus.
“Encontramos um caminho muito positivo porque se alargou o termo sinodalidade a todo o povo de Deus. A palavra sinodalidade tornou-se conhecida de todo o povo de Deus. Há um caminho a iniciar-se. Sabemos que a sinodalidade faz parte da vida da Igreja desde os passos da Igreja nascente, mas a verdade é que operacionalmente e na ação eclesial, às vezes, distanciamo-nos da sinodalidade. Este caminho sinodal trouxe às igrejas locais este processo de escuta que estamos a acompanhar. Nos lugares de escuta sinodal em que participei, verifiquei a surpresa das pessoas por serem ouvidas e a alegria que manifestaram porque alguém lhes perguntou aquilo que tinham para dizer e que podiam falar com liberdade. E creio que isto é o que de mais positivo encontro neste caminho. Ou seja, o podermos fazer aquilo que é a sinodalidade: falar com liberdade e escutar com humildade. Porque também vi isto nos grupos que acompanhei. Cada um ia falando com a liberdade que lhe assistia, mas ia escutando também o outro que lhe servia de confronto. Isto passou à exigência de colocar isto a escrito e de fazer as sínteses paroquiais, diocesanas e nacionais até chegarmos a este momento do documento para a etapa continental”.
A importância de grupos de coordenação
O sacerdote salienta a importância da existência de “grupos de coordenação” e de “plataformas de comunhão” no processo sinodal. Assinala, contudo, a existência de resistências.
“Uma primeira resistência a este processo nasce de não percebermos que estamos a caminho. Todas estas sínteses não são conclusões, não são a exortação pós-sinodal do Papa, não são o relatório final das assembleias sinodais. Isto são etapas do caminho. São o colocar em síntese aquilo que foi dito nas diferentes instâncias. Muitas vezes, a mim surpreende-me a surpresa de alguns com aquilo que as pessoas dizem. Porque muito daquilo que temos presente vamos escutando quando estamos nos nossos grupos paroquiais, nos nossos grupos de amigos, onde encontramos crentes e não crentes, muitos destes aspetos positivos e negativos que estão na síntese nacional, estão presentes no pensar de muitos. Algumas sínteses diocesanas apontavam algo que era importante ter numa síntese, isto é, dar espaço a todos as coisas, para que não seja a síntese da maioria. Foi apontada à síntese nacional uma excessiva carga negativa. mas que nasce também do modo como o processo foi desenvolvido. Ou seja, quando perguntamos às pessoas o que é importante mudar, que caminho temos a fazer, evidentemente, que aquilo que sublinharemos é aquilo que está menos bem. Estando num percurso sinodal é importante escutar a todos e é importante que existam grupos de coordenação que criem caminho conjunto. Não queremos gerar maiorias ou minorias, mas consenso e comunhão. E é necessário um conjunto de plataformas que nos permitam criar ritmo e dar operacionalidade a todo este caminho. É importante, não só agora neste processo sinodal, mas na nossa ação eclesial da Igreja em Portugal, criarmos plataformas de comunhão que nos permitam criar caminho conjunto, criarmos sinergias que permitam uma maior eficácia na evangelização”.
Fase continental: problemas devem ser oportunidades
Este Sínodo decorre numa verdadeira mudança de época, na qual “a fé cristã já não é o motor existencial” do continente europeu, revela o sacerdote assinalando que a nova fase do processo sinodal “deverá apontar caminhos novos de evangelização”. Escutar a realidade e perceber quem são “os homens e mulheres que caminham connosco” é um dos desafios de uma fase continental na qual os problemas devem ser oportunidades, refere o padre Sérgio Leal.
“Estamos numa fase inédita, como de alguma forma é inédito todo este processo sinodal que estamos a viver. É verdade que, muitas vezes, da fase continental apontamos uma primeira limitação de como é que num continente estamos a colocar na mesma plataforma países onde que há um contraste evidente, como Portugal e a Alemanha, ou a França e a Itália. Ou seja, estamos a colocar no mesmo documento, na mesma fase de diálogo, países bastante diferentes e um prisma bastante alargado de pessoas e de experiências. Mas, creio que este não é um problema ou se é uma resistência deverá tornar-se uma oportunidade. Porque a Igreja sempre foi o povo que caminha nos quatro cantos da Terra. Portanto, nesta fase continental há que esperar com positividade, visto que o caminho sinodal é um caminho aberto às surpresas do Espírito e esse rasgará os horizontes de esperança que precisamos. No nosso continente europeu vivemos, de facto, aquilo que o Papa diz: mais do que uma época de mudanças, vivemos uma verdadeira mudança de época. Se isto se regista em outros lugares do globo, regista-se em modo muito particular no nosso continente europeu, onde há uma nova etapa evangelizadora. Há um conjunto de estruturas que ainda assentam muito numa lógica de cristandade que já não é europeia. A fé cristã era aquilo que moldava os horizontes sociais, familiares, relacionais. Hoje percebemos que a fé cristã já não é o motor existencial do continente europeu e esta fase continental deverá apontar caminhos novos de evangelização na Europa. De uma Europa onde a Igreja quer apresentar como indispensável o caminho da fé a um conjunto de pessoas para quem a fé é algo de acessório. E esta apresentação da indispensabilidade da fé passa pela capacidade de habitarmos o horizonte antropológico desta Europa. Isto é, escutarmos a realidade que temos diante de nós, percebermos quem são os homens e mulheres que caminham connosco e que para caminharmos com eles estamos atentos às suas necessidades, anseios e angústias e, assim, seremos mais capazes de anunciar Jesus Cristo”, declara o sacerdote.
Caminhar juntos em Igreja não pode ser em modo hierárquico
A propósito do recente livro do Papa “Caminhar juntos. Palavras e reflexões sobre a sinodalidade”, o padre Sérgio Leal, afirma que para Francisco a sinodalidade deve moldar o agir da Igreja tornando operativo o Concílio Vaticano II. Sublinha que para caminhar juntos em Igreja não é possível viver em modo hierárquico.
“Esta sinodalidade é para o Papa Francisco uma dimensão constitutiva, faz parte da sua identidade, molda o seu agir e, como dizia o cardeal Grech, é algo que tem acontecido no magistério do Papa gradualmente apontando o discernimento como algo fundamental. A procura daquilo que o Senhor nos pede não pode acontecer de modo hierárquico, mas na comunhão eclesial, porque aí se realiza aquilo que é a Igreja enquanto povo de Deus e aquela que é a missão da Igreja no horizonte da evangelização. Por isso, para o Papa Francisco a sinodalidade coloca-nos num horizonte de conversão pastoral. A própria palavra sinodalidade aponta-nos isto: quem se coloca a caminho coloca-se numa perspetiva de transformação, de mudança e de conversão, mas isto só acontece caminhando juntos, caminhando como povo de Deus, numa pastoral que deixa de ser clericocêntrica para ter no seu centro Jesus Cristo e o Espirito Santo como protagonista da missão que se concretiza no caminho conjunto de todo o povo de Deus”, refere.
O sacerdote sublinha ainda que apesar de o Concílio Vaticano II não utilizar a palavra sinodalidade, tem em si os seus pressupostos de comunhão e de corresponsabilidade.
“A sinodalidade reúne em si a eclesiologia do Concílio Vaticano II. Curiosamente, o Concílio Vaticano II nunca utiliza a palavra sinodalidade, mas tem todos os pressupostos: a eclesiologia de comunhão, a igual dignidade de todos os batizados, a corresponsabilidade na missão. Ou seja, são elementos fundamentais que estão na base da sinodalidade. E, portanto, a sinodalidade reúne por um lado a fundamentação teológica que o Concílio Vaticano II apresentou, por outro lado a sinodalidade permite tornar operativo tudo isto. Quem abre o coração e a vida para este processo sinodal percebe que entra num caminho de conversão pastoral. Percebe que aquilo que se diz de dimensão constitutiva da Igreja tem de se fazer operativo. Por isso, o Papa diz que a Igreja ou será sinodal ou não será aquilo que o Senhor espera dela. Mas a verdade é isso mesmo: se a Igreja é o povo de Deus que caminha na unidade do Pai, do Filho e do Espirito Santo, se a sinodalidade é um caminho conjunto de todo o povo de Deus, portanto, Igreja e Sínodo são sinónimos como diz S. João Crisóstomo. E então a Igreja ou é sinodal, realizando operativamente nas suas estruturas e processos eclesiais este estilo sinodal, ou estaremos a distanciar-nos daquele que é o sonho de Deus para nós”, declara o padre Sérgio Leal.
“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema do Sínodo iniciado pelo Papa Francisco em 2021 e que entra agora na sua fase continental.