
Uma leitura do filme “O Peso Insuportável de Um Enorme Talento” *
Por Alexandre Freire Duarte
Eis uma obra que se vira e revira sobre ela mesma, na medida em que o seu ator principal (um genial e cheio de panache Nicolas Cage) representa a sua própria pessoa num misto de realidade e ficção. Representa-se, com um juízo autocrítico notável, a si mesmo e à lenda que já é. Só isto basta para que esta obra se converta numa hilariante meta-comédia, mas é mais do que isso. É também um interessante filme de ação e drama que se transmuta num cântico satírico de amor à história da sétima arte e como reagimos socialmente a ela.
A química do relacionamento humano entre Cage e Pascual é inacreditável. Parece mesmo que são velhos amigos que se equilibram em qualidade de atuação em cada cena, carregada de energia dinâmica e/ou caótica, e elevam a obra, que estruturalmente é assaz débil (o final dá pena), a um nível de brilhantismo cinematográfico genuinamente raro. Sobretudo porque – com diálogos inteligentes, ideias interessantes (e cheias de calor e humor e jogando com os “lugares comuns” que exploram) e tramas derivadas curiosas – permite uma quase simbiose entre quem vê “O Peso Insuportável de um Enorme Talento” e o ator central desta obra. Uma simbiose em que as emoções reais são colocadas acima dos artifícios.
Com isto em apreço, é de dizer que, para um teólogo, este filme é mais um, numa já alargada lista de outros que aqui apresentei, em que tudo orbita o facto de que a busca da fama, do prestígio, do reconhecimento dos demais é apenas um balão que, se em dado momento, parece cheio, inevitavelmente se esvaziará, deixando, quem assim vive, numa “insuportável” carência de tudo o que humaniza. Mas como é difícil fugir a tais engodos! Parece, muitas vezes, que somos educados e formados para os procurar, por mais que saibamos que isso esboroa a nossa autenticidade, a nossa relação com os nossos mais queridos, a nossa relação com a Criação e, no nosso caso de cristãos, com o Criador.
Muitos, nestas circunstâncias, revoltam-se e declaram que o Mundo, e até Deus, não são justos. Mas será que essas circunstâncias não serão apelos a que se encare a realidade de uma outra forma? De uma forma em que o mudar de vida se manifeste como um acolher graça atrás de graça enquanto uma nova regeneração por parte de Deus? Uma em que, ultimamente e pela rutura que comporta ao nosso “ego”, a vida em conjunto com quem amamos se manifesta, qual estandarte do amor divino, no que de mais valioso podemos fruir?
Há sempre mais Vida para além da vida que nos querem impor como normativa: a do apego ao dinheiro, controle e notoriedade. Há sempre mais Vida para além do nosso labor, e se não admitirmos isto, é porque algo de muito negativo está a advir na nossa vida espiritual, mormente o não reconhecermos que estamos a sepultar o amor devido a escolhas erradas.
Como cristãos, a nossa meta, embora precise de passar pela nossa relação com o Mundo, não se encontra neste, mas em Deus. Assim, não estejamos fixos no que tal Mundo nos pode dar, antes abramo-nos, pelo haurirmos pela compaixão as ofensas que nos fazem, ao que só Deus nos pode oferecer para sarar os distúrbios espirituais que se ocultam em nós.
(* EUA, 2022; dirigido por Tom Gormican; com Nicolas Cage, Pedro Pascal, Tiffany Haddish e Sharon Horgan)