Por M. Correia Fernandes
Foram presentes em espaços ilustres da cidade do Porto (uma igreja paroquial e uma Fundação de mérito) dois livros de autores portuenses: um que é Bispo da Igreja e foi recentemente nomeado Delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas, D. Carlos Azevedo; outro de um investigador, professor e jornalista, Helder Pacheco.
Os livros são, respetivamente: Entre o Vaticano e Portugal: Questões de governo e de pastoral (séculos XVII a XX), edição de Paulinas Editora; e Ainda e sempre Porto, trazido pelas Edições Afrontamento. O primeiro foi apresentado por D. Pio Alves, tendo sido recordada a sua ação como Presidente do Centro de Braga da Universidade Católica e o seu papel como docente dos campos tanto da Teologia como da investigação e tratamento documental (lembrou ter sido professor de Metodologia Científica, que considera não ser “um saber menor”). O segundo mereceu a apresentação do editor, José Ribeiro, de Inês Cardoso, atual Diretora do Jornal de Notícias (onde foram publicadas as crónicas) e do vice-Presidente Câmara Municipal do Porto, Filipe Araújo. Foi assinalada a capacidade de observação, de escolha dos quadros espaciais ou pessoais, da sua leitura humana, para além dos simples espaços, como características da escrita do autor.
Uma nota sobre cada um deles.
Entre o Vaticano e Portugal assinala um conjunto de artigos fruto de investigação histórica referente a acontecimentos e figuras relevantes entre os anos de 1600 até ao século XX, de figuras que vão desde o Algarve ao Minho, apresentando os factos verificados e o significado de cada um, quer do ponto de vista factual e histórico, quer dos pontos de vista jurídico-canónico e também da sua valoração pastoral como presença da ação da Igreja para além da estrutura, que é a evangelização. Neste sentido se estudam as interpretações doutrinárias e ideológicas da revolução liberal no início do séc. XIX, o problema das indulgências ou a defesa do clero na segunda metade do século XIX.
Interrogava D. Pio Alves se esta sequência de textos de investigação histórica era apenas uma recolha de artigos de episódios ou acontecimentos históricos ou se deveria ser considerado um livro, pronunciando-se a favor desta segunda hipótese: trata-se de facto de um livro, em que os diferentes artigos se articulam como um todo, com sentido lógico e unidade temática, afirmando: “um livro em que cada um dos textos funciona como um contributo parcelar a um todo aberto e mais amplo”, aspecto que o autor deve ter tido em conta ao não usar a designação de capítulos nem a sua numeração. E acrescenta: “Os conteúdos dos textos, ainda que materialmente desconexos entre si, são abordados pelo Autor no contexto amplo das problemáticas então dominantes. Isto só é possível graças ao saber do Autor, que domina o conhecimento global da História da Igreja e da Sociedade em Portugal e também das peculiaridades das estruturas do Vaticano à época. Dito metaforicamente, com recurso a terminologia de intervenções em arte: a História é como uma grande e magnífica tela, aberta, que sempre pode ser enriquecida, ainda que, às vezes, esteja sujeita a indesejáveis repintes. Aqui, não há repintes: há oportunas reintegrações”.
Lembramos ainda esta observação de D. Pio: “Aas cinco páginas de Apresentação (obra do Autor) estão escritas com linguagem impecável, clara, em que aparece o Carlos Azevedo: perspicaz, inteligentemente crítico, sem embrulhar a verdade da História”.
Sobre a diocese do Porto encontram-se dois textos: “Visão crítica da vida religiosa do cartuxo Dom António de São José de Castro (1741-1814), bispo do Porto e patriarca eleito de Lisboa”, e “Dom Jerónimo da Costa Rebelo, bispo eleito (1840-1843) e confirmado (1843-1854) do Porto”.
A proposta do autor encontra-se plasmada na Introdução: “Procuro revisitar factos, conhecer mentalidades, entrelaçar elementos biográficos com o peso das instituições, perceber polos de interesse e analisá-los pelo bisturi da verdade histórica”. A intenção expressa foi a de “reunir novos dados e efetuar novas leituras, no contexto da bibliografia disponível”.
Assim se assinala a relevância histórica, cultural e pastoral desta obra, fruto de investigação e de invulgar capacidade de leitura dos acontecimentos, no seu sentido mais amplo.
Porto em palavras e imagens
O percurso da obra Ainda a sempre o Porto reporta, por natureza do “ainda e sempre” da afirmação titular, para a continuidade de outras das muitas obras já publicadas (para além das páginas do Jornal de Notícias), de que se podem salientar os mais recentes Um certo Porto (2012) e Porto: Crónicas da cidade de dentro (2014). Mas as publicações sobre este e temas afins veem desde 1984, algumas em reedições.
O presente é livro de palavras e de imagens. O autor recorda a capacidade de captação dos fotógrafos e a disponibilidades da editora para aceitar a seleção que das imagens foi feita. Nas imagens encontramos pessoas, casas antigas, espaços simbólicos, figuras históricas, as inevitáveis pontes, as cascatas de S. João, monumentos de muitos ângulos vistos e interpretados, ruelas estreitas e poucas avenidas. Entre os nomes comerciais mais curiosos encontramos a “Faculdade dos Trajes”, os “Cafés coloniais e brazileiros”, ou “O Pretinho do Japão”. É um universo de espaços e acontecimentos.
Das personagens históricas importa lembrar umas tantas: 1) a de Almeida Garrett e a sua casa abandonada na rua que era do Calvário; 2) a do encenador, ator de teatro e divulgador da palavra, Júlio Couto, falecido em 2020, lembrado na sua casa da Fontinha; 3) a do Eng. Almeida e Sousa, “um homem de causas, devotado ao bem comum”; a de Manuel António Pina, a suas crónicas no JN; 4)a de D. António Francisco dos Santos com uma da suas conhecidas fotos, que bem fica ao lado da beleza do jacarandá, abatido na praça do Viriato. E registamos as palavras que acompanham a imagem: “Um erudito sem alardes. Um intelectual sem afectação. Um homem bom e disponível, sem populismos. Um humanista atento ao real e não só ao existencial”.
Como fica bem ao pé dele o jacarandá arrancado no Largo do Viriato!