
Uma leitura do filme “Uma bela manhã” *
Por Alexandre Freire Duarte
Eis um filme para o qual não estava preparado. Levado por ex-alunos a vê-lo, foi uma agradável surpresa contactar com este charmoso drama romântico que se desenvolve, com honestidade e compreensão, em redor dos conflitos, vividos pela personagem da colorida e calorosa Léa Seydoux, decorrentes de três tipos de amor: filial, ante o pai; de paixão, face a um amante casado; e maternal, perante a filha.
Nem tudo é ótimo nesta obra: a trama é, por vezes, desconexa e a personagem do tal amante – por quem a figura principal se apaixona num momento difícil da sua vida (e quantas vezes é assim, nas raspas dos tumultos da vida, que as pessoas vãmente creem ter encontrado o verdadeiro amor) – não tem densidade para sustentar o peso do conflito inerente à relação entre aquele e aquela. Mas o restante é um terno e delicioso filme que, tal como a Igreja no dizer de G. K. Chesterton, é bem maior no coração da compaixão (que nos suscita) do que quando visto de fora.
A energia cinematográfica é explosiva; as tramas entrecruzam-se com mestria (mesmo aquela que já disse estar menos desenvolvida), mostrando como a complexidade pode resultar em simplicidade; os desempenhos são vibrantes; a caracterização é ajustada ao mínimo pormenor; a edição foi cuidadosa, procurando mostrar, num instante, o rasgão entre emoções contrastantes; e a frágil raia entre a empatia e a piedade oscila imenso, a ponto de raramente sabermos de que lado nos encontramos quando, ao ver esta obra, queremos estar em sintonia com Deus-Amor.
Entrando, agora, num apreço teológico a este filme, principiaria por dizer que ele se desenvolve ao redor da dificuldade de realizarmos as distintas, e até contrastantes, expectativas das nossas vidas afora de uma sólida cognição do que é o amor. Falamos deste a todo o momento, mas não o conhecemos, muito menos (nós cristãos) nas suas implicações crísticas e cruciformes. Daqui resulta que, quando intuímos estar a viver algo que se aproxima de tal amor (que, no fundo, sabemos bem ser a única pérola de grande valor da nossa vida) o desbaratamos.
Andamos a criar e a educar pessoas independentes e incrivelmente fechadas nelas mesmas, para as prepararmos para a competitividade de uma vida frequentemente dura e injusta, e apenas as lançamos para tormentas emocionais no seio de uma consciência que não se silencia por mais que o desejemos e digamos que o lográmos fazer. Mas não caiamos no erro de, diante disto, apostarmos no pior que pode haver no lema “aproveita as pequenas coisas da tua vida única”.
Sim: no dia a dia há realidades soberbas, mas não nos deixemos ludibriar. Sozinhas, elas não terão valor algum naquele momento capital da nossa vida em que, face-a-face com Deus e os demais, teremos que apostar no amor compartilhado ou fechar-nos na nossa unicidade aferroada. A vida vai quebrar-nos muitas vezes o coração, com o grilhão da injustiça bem cravado em nós, mas o amor verídico está sempre à espera, quando nos superamos e nos fazemos o cuidado do Pai na vida dos demais, para, assim, animarmos e colorirmos o Mundo com o sorriso de Jesus.
(* França, Reino Unido, Alemanha; EUA; 2022; dirigido por Mia Hansen-Løve, com Léa Seydoux, Pascal Greggory e Melvil Poupaud)