
Uma leitura do filme “Regresso ao amor” *
Por Alexandre Freire Duarte
Olhando para o cartaz deste filme poderemos ficar enganados acerca da sua índole. De facto, e como me garantiram antes de o ir ver, não é um mero romance, antes aborda algo muito sério (sob esta ou aquela feição) na vida de muitas pessoas. Algo que é retratado sobre a fina linha do cuidado e do respeito que merece. “Regresso ao amor” é um bom filme, mas não tão bom como poderia ser se o casal de diretores tivesse dado menos peso às figuras acessórias (que surgem como lumieiros ao meio-dia) e lograsse gerir melhor a mudança ocorrida no final da obra.
Os cenários naturais são notáveis e dão retoques de realismo e beleza; a química entre os atores principais, que já trabalharam juntos diversas vezes, surge enfeitiçadora de tão natural e fácil que é, a ponto de quase podermos nem reparar nas falhas da direção no filme; a estratégia de ser a personagem principal a narrar a história, coloca-nos diretamente no âmago do problema de que ela padece, deixando-nos sem saber o que é verdade ou mentira (voluntária ou não); e, enfim, o equilíbrio entre o humor e a seriedade (por veze sombria) é bem conseguido, nesta história intemporal de distintas advertências morais raramente juntas num só filme.
Teologicamente falando, creio que não estarei enganado se disser que todos somos dependentes de alguma coisa ou de alguém: desde o “bem-estar”, “o sucesso do ‘meu’ club” e o “como anda a ‘minha’ novela”; até ao renome, ao sucesso e este ou aquele produto alimentar e/ou vinícola; passando pelas drogas ditas “sociais”. Tal adição pode decorrer de: mecanismos de amparo; dinamismos que facilitem a nossa (re)integração após, ou em momentos de dificuldade; ou, então, de desejos obscuros do nosso “ego”. E quantas vezes nos auto-iludimos quanto às agruras, por vezes sérias, que essas dependências comportam para nós e quem nos é querido?
Na maior parte das vezes, todos esses problemas (quando não derivados de situações acidentais trágicas) resultam de um corte entre nós e a nossa verdade em Deus fruto do se tentar encontrar, fora d’Este, um conforto que só Ele nos pode dar. As emboscadas, nas nossas vidas dadas a essas compulsões, são imensas e nunca escaparemos a todas elas. Mais cedo ou mais tarde seremos “apanhados”. Todavia, pela vergonha e/ou embaraço, raramente aceitamos uma ajuda exterior, seja esta de amigos, de parentes, de especialistas ou, mormente, do Senhor Ressuscitado que nos renova. Encerramo-nos em nós e daí só tentamos “fugir”, não pelo serviço de amor (que nos descentraria de nós), mas por entregas maiores ao que nos prende.
O mais triste e doloroso, para quem assim sofre (e para o próprio Deus que com ele compadece), é quando essas dependências se tornam parte de quem as vive. Quando estes vícios já não são uma “vestimenta” ocasional, mas um “pacemaker” contínuo para uma vida que, sem o mesmo, definharia. Isto só será evitado por um sólido crescimento espiritual no amor, que não nos leva a afastar os demais e a Jesus de nós (por mais incómodos que sejam para o nosso “ego”), mas a acolhermo-los como aquele cimento que segura a parede das nossas vidas e nos permite a proclamação do Evangelho em vez de qualquer auto-promoção.
(* EUA; 2021; dirigido por Maya Forbes e Wallace Wolodarsky, com Sigourney Weaver, Kevin Kline e Morena Baccarin)