Por Jorge Teixeira da Cunha
A Associação Católica do Porto completa este ano a bonita idade de 150 anos de existência. Tendo a sua sede no centro histórico, e sobrevivendo com dificuldades, continua a ser o testemunho de um modelo de apostolado social sobre que vale a pena reflectir. Fundada em 1872, por uma geração de homens católicos de rara qualidade, vale e pena tentar caracterizar o ideário que a viu nascer que que orientou a sua acção desde a sua fundação até meados dos séc. XX, altura em que começou o seu declínio.
As Associações católicas nasceram no contexto típico da cultura moderna que substituiu o chamado Antigo Regime. Era o tempo da revolução industrial e da implantação das instituições liberais, tanto a nível político como social. O advento da laicidade, quer dizer, da distinção entre a instância estatal e da cultura, com as suas diversas convicções religiosas, criou um grande número de problemas. Os fundadores da Associação Católica foram os primeiros que viveram este conflito e tiveram de se adaptar à ideia de que a fé cristã podia conviver com diversos regimes políticos liberais e não apenas com a monarquia absoluta. As convicções sobre a verdade, sobre que se fundava o Antigo Regime, tiveram de admitir que há diversas formas de organização política e não apenas uma, como era no passado. Mais profundamente, esta evolução supõe um reforço, filosófico e teológico, da razão autónoma, a quem é dado fundar uma ética com certa independência a respeito da religião. A estes homens crentes do séc. XIX é devido o grande mérito de terem amadurecido estas ideias, de as ter testemunhado no meio de dúvidas, de as terem difundido com valentia através da imprensa católica, enfim, de terem inventado um lugar para o Evangelho e para a Igreja neste novo contexto. O sujeito deste movimento foi uma nova classe de gente, o laicado, que assumiu personalidade e autonomia em relação ao antigo modo de ser Igreja, em que os bispos eram também titulares e agentes do político. Foi um longo ensaio disto que hoje chamamos o “Estado de direito”, feito de uma tensão insuperável entre instituição estatal, sempre mais amplamente ocupada com organizar a vida pública, mantendo, no entanto, lugar para a livre iniciativa das instituições da sociedade civil. Os movimentos de acção católica continuaram a aprofundaram esta forma de presença do Evangelho à cultura e à sociedade.
Mais do que fazer um balanço deste tempo conturbado, mas glorioso, e de reconhecer o mérito indiscutível deste estilo de militância cristã, parece conveniente interrogarmos o nosso tempo sobre esta questão: que modelo de apostolado social é necessário inventar para o nosso contexto do séc. XXI, que já não é apenas moderno e que tantas coisas estão a acontecer? Entre os factores a ter em conta há que referir, deste logo, as novas formas de comunicação social, que tornam obsoleta a imprensa e as outras formas de comunicação editada. Estas novas maneiras de aproximar e, ao mesmo tempo, de afastar as pessoas tornam o nosso mundo muito diferente e provocam como nunca a nossa pastoral. Apontamos duas ou três ideias para um apostolado social com futuro.
A primeira é a superação das representações costumadas da cultura e a necessidade de encontrar um novo ponto comum que aproxime os seres humanos, para lá das ideias que já não desempenham esse papel. Este ponto é muito importante para a pastoral, pois um novo deslocamento do eclesiocentrismo está em marcha nos nossos dias. Temos de pensar a pertença eclesial partindo do afecto e do sentimento e não da ideia e da doutrina.
O segundo aspecto é a proposta cristã de uma ética e de uma política baseada na amizade e na fraternidade e não centrada na instituição como temos feito até agora, como continuação do que viveram os nossos antepassados. O Papa Francisco, mesmo com dificuldades, vai-nos apontando este caminho.
Um terceiro aspecto tem que ver com uma nova economia do trabalho e da justiça, para lá das formas comuns do capitalismo e do socialismo, que deram forma à organização moderna da produção e da distribuição dos bens.
Vai ser necessária muita criatividade dos cristãos de amanhã para inventarem novas forma de pertinência do Evangelho. Baseados no exemplo do passado, um novo apostolado social e uma nova acção católica há-de seguramente ver a luz.