
Por M. Correia Fernandes
A celebração da Solenidade de Cristo Rei pode tornar-se uma ocasião para recordar a centralidade nos Evangelhos e fora deles da proclamação do Reino de Deus na palavra de Jesus.
Ao encerrar o Ano litúrgico, que traduz a caminhada salvífica da pessoa e da condição humana, expressa nos meandros da vida, a Liturgia assinala que o sentido pleno do percurso da humanidade em direção ao fim dos tempos se manifesta em Jesus Cristo. Por isso o propõe como Rei e Senhor do Universo.
Importa acentuar o conceito de Rei, para além das suas conotações políticas, deve associar-se à proclamação evangélica do Reino de Deus, essencial dimensão do anúncio de Jesus, assente no Amor, na Justiça e na Misericórdia. Por isso afirma a Liturgia que é “Reino de Santidade e de Graça, de Justiça de Amor e de Paz” (do Prefácio do dia).
Note-se que já o anúncio do Livro de Samuel apresenta a sagração de David como expressão da Aliança do Povo diante do Senhor, portanto com um sentido salvífico, uma proposta da Salvação de Deus para o seu povo. Trata-se de um acontecimento messiânico anunciador dos caminhos futuros.
A mensagem de S. Paulo aos Colossenses constitui a mais completa visão teológica de Jesus: princípio e fim te todas as coisas; anterior a tudo e tudo nele subsiste; cabeça da Igreja que é o se corpo; o Primogénito de entre os mortos; a causa de toda a reconciliação; o princípio de toda a paz.
Joseph Ratzinger (Bento XVI) apresenta três dimensões para entendimento do sentido do Reino (1): a dimensão cristológica, em que “o próprio Jesus é o reino em pessoa, Ele é a presença de Deus”. Uma segunda dimensão, a que chama “idealista” ou “mística”, que vê o reino de Deus colocado na interioridade do homem. Uma terceira dimensão, que define como “eclesiológica”: “o reino de Deus e a Igreja estão relacionados entre si de vários modos e mais ou menos próximos um da outra”.
É neste sentido que importa colocar a criação da figura litúrgica de Cristo Rei: a figura de Jesus encontra-se e manifesta-se ao mesmo tempo na condição humana e no Deus vivo que ele anuncia e que “é capaz de agir concretamente no mundo e na história e agora mesmo está em ação”.
Esta dimensão essencial manifesta-se na afirmação de Jesus a propósito da caminhada para o fim dos tempos: não tenhais a pretensão de buscar sinais, mas tende consciência que “o Reino de Deus está no meio de vós” (Lucas 21), a que uma visão mais pessoal ou mística pode atribuir a modificação semântica do “está dentro de vós”. Por outro lado, a afirmação inicial da Jesus de que “É chegado o reino de Deus” (Mateus, 4,17) manifesta o seu permanente devir histórico, sempre presente e constante.
Assinalemos a proposta de Ratzinger: O reino de Deus permeia toda a pregação de Jesus. Só o podemos compreender através da totalidade da sua mensagem. Por outro lado, importa lembrar que Jesus fala sempre como o Filho e a relação entre Pai e Filho está sempre presente como pano de fundo da sua mensagem”.
Desta forma, as expressões simbólicas das imagens de Cristo Rei no monumento de Almada, sinal da bênção sobre a cidade, homólogo do Cristo Redentor do Rio de Janeiro, constituem o apelo visual e simbólico apelo na sociedade e na história humana do Reino de Justiça, de Amor e de Paz. Construído como expressão da gratidão pela não participação de Portugal na guerra, que Ele traga a Paz às guerras de hoje.
(1) Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré, ed. “a esfera dos livros”, p.75-91.