O Cinema visto pela Teologia (45): o filme “Amesterdão”

Uma leitura do filme “Amesterdão*

Por Alexandre Freire Duarte

Nunca, antes de “Amesterdão” vi um filme tão cheio de atores brilhantes e constatar que, como dizem os especialistas em futebol, uma boa equipa tem que ser mais do que um conjunto de bons futebolistas.

Não sei qual o género deste filme, baseado num entrecruzar de factos verídicos que foram ficcionalizados. Parece tocar em todos, todavia, acaba por não se centrar em nenhum, talvez pela dissonância da sua demasiado intrincada trama a exaltar um modo de vida boémio que se autodestrói. Assim, nem o extremo realismo de algumas cenas decorridas durante a I Guerra Mundial, nem o desempenho pontualmente interessante de um ou outro ator, ancoram esta obra. Ela parece um navio, cheio de presunção, a navegar, sem destino, ao sabor das ondas.

Exemplo claro disto é que os atores, na maior parte do tempo, parecem abandonados a eles mesmos sob os voos atrapalhados das câmaras. É como se não fossem pessoas, com densidade relevante para a história do filme, mas meros tiques e idiossincrasias dentro de fatos. E isto é assim mesmo com os mais proeminentes, com Christian Bale a auto-parodiar-se e Margot Robbie a nunca ser quem deveria ser. Sim: o humor inteligente que brota daqui e dali e o detalhe aos cenários, roupas e demais objetos de época é notável e atrai imenso a nossa atenção, mas se isto ocorre, não me parece, neste caso, ser um mérito, mas um demérito, sinónimo de não haver uma consistência que nos agarre a quase mais nada. Em consequência, senti-me frequentemente afastado, alheado, desinteressado.

Como teólogo, devo dizer que muitas mensagens são acertadas (se tivermos tento para as discernirmos ou, então, as ouvirmos ser explicadas no fim do filme): o amor, a generosidade e a bondade são essenciais para o ser humano. Claro que não resolvem tudo, e até podem, por maldade ou incompreensão, levar à cruz. Agir de acordo com a compreensão do “bem” e do “mal” pauta os três personagens desta obra, mas quantas vezes o fazer-se isto, neste mundo, nos esventra a alma? Mais vezes do que gostaríamos, mas sabemos que não é maior o servo do que o Senhor.

E quantas vezes não andamos, na verdade, em busca de “falsos deuses”, auto-justificando-nos que o fazemos por nobres e ilustres causas? Nenhum de nós é perfeito; nenhum local onde obramos tampouco; mas, por mais que tais deuses sejam os que são adorados por quem tem poder sobre nós, não nos iludamos e não deixemos, jamais, de tentar fazer o essencial para mantermos o que, ao nosso redor e em nós, é precioso e capaz de nos motivar a sacrifícios de amor pelos demais.

Há modos de vida muito mais tranquilos (e sobretudo rentáveis) do que estes. Mas onde é que acabaríamos se seguíssemos esses caminhos que impedem a mínima decência humana; que torcem e retorcem o “mal” e chamam-lhe “bem” (e vice-versa)? Ter medo dos furacões que, por não adorarmos esse medo, podem entrar pelas nossas vidas é natural, mas não desistamos de fazer o bem, por mais que nos digam que, assim, estamos a ser parvos e a prejudicar-nos. O amor, a verdade, a alegria e a humildade valem sempre a pena, pois nos inserem em Deus.

(* EUA; 2022; dirigido por David O. Russell, com Christian Bale, Margot Robbie e John David Washington)