Por Joaquim Armindo
“Vemos, ouvimos e lemos” é um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen, escrito para uma vigília na Capela do Rato, em Lisboa, contra a guerra colonial e a favor da liberdade. Francisco Fanhais musicou e cantou em 1970 para dar voz à revolta e apelar à dignidade humana. A “Cantada da Paz” está ainda na memória de muitos, mas, para outros, talvez seja uma novidade, apesar de continuar disponível em poema ou em canção para os que a desejarem ouvir ou ler no seu computador.
“Vemos Ouvimos e Lemos – não podemos ignorar” é o refrão da Cantata que hoje devemos revisitar neste estado em que nos encontramos de ofensa à Terra, ao Cosmos, a todos os seres viventes e mesmo aos inertes – como o bispo de Roma e papa Francisco, não se cansa de proclamar-, que é, apesar de tudo, um estado para o reforço do trabalho e do empenhamento. Atravessamos, com hipocrisia, um tempo onde se realizam “conversações” ao nível dos poderes instituídos dos países, como a COP27, onde todos exponhem as suas “virtudes preocupantes” e “dão” mais uns milhões para o combate às alterações climáticas e uns biliões para o sofisticado armamento, seja nuclear ou qualquer outro.
“Estamos numa autoestrada para o inferno com o pé no acelerador”, alertava o secretário-geral da ONU, e cristão convicto, António Guterres. O aquecimento do planeta Terra, nossa mãe e nossa irmã, é de tal ordem que brevemente alguns países deixarão de existir devido a esse aquecimento e as fronteiras de tantos países serão invadidas pelas águas dos oceanos. Quem mais agride a Terra são os países ditos mais desenvolvidos, em detrimento dos outros que menos poluem, mas são sacrificados. Em África a seca matou mais de meio milhão de pessoas, mas os países exportadores de petróleo e gás vão continuar a produzir, ganhando mais de 3 mil milhões de dólares, por dia, mesmo que a temperatura suba acima de 1,5 graus celsius. Em Portugal todos nós começamos já a sentir este efeito, quando é verão ou quando é inverno, não sabemos.
Como há tantos anos na Capela do Rato os cristãos e cristãs “não podiam ignorar” a situação então vivida, com uma guerra colonial a dizimar jovens ou estudantes das universidades e outras escolas ocupavam escolas, também hoje em número mesmo diminuto, ainda existem jovens – muitos dos quais estarão nas Jornadas Mundiais da Juventude – que de forma, dizem alguns, indisciplinada, protestam contra este estado de coisas. Ainda bem que esta “desobediência” é fruto de jovens muito novos, mas que escutam a Terra, e “não podem ignorar”. Obrigado pelo vosso testemunho ativo.