“Arte” e “Liturgia”

Foto: Rui Saraiva

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Porque razão é bela a liturgia?

O belo sensível, produzido pela criatividade do homem, está ao serviço da glória de Deus e do encontro salvífico com Deus que os batizados estão chamados a viver. A liturgia precisa da beleza não como uma superestrutura ornamental mas pela sua natureza intrínseca, porque o próprio “objeto” que celebra – o mistério de Deus que tem o seu cume na Páscoa de Cristo – é esplendor de beleza.

Como canta um antigo hino “o amor de Cristo reuniu-nos na unidade”: eis o que confere à liturgia a sua dimensão estética. Deus é amor (1 Jo 4, 8): é esta a verdadeira beleza divina. Toda a liturgia atualiza esta história de amor com Deus para a humanidade.  Mais do que daquilo que nos inventamos, a beleza da liturgia jorra da iniciativa divina, que varre todas as nossas mediocridades e nos predispõe, lado a lado, em ordem a um fim que nos supera. A beleza na liturgia não é algo de estático, mas de dinâmico, vivo: é o próprio Deus presente. A liturgia é o lugar onde a oração dá espaço ao irromper da beleza e da grandeza de Deus.

Por extensão, a liturgia é esplendor de beleza também nos “sinais sagrados” da sua ritualidade: é beleza nos cantos, na música, na arte e na arquitetura sacra, nos ícones, no mobiliário e nas vestes litúrgicas, na própria arte de celebrar.

“Arte” e “liturgia” são duas palavras que, na celebração cultual, constituem uma única realidade. Portanto, mais do que falar de arte na liturgia, deveria falar-se da liturgia como uma obra de arte. E quando falamos de liturgia falamos da “obra de Deus” (opus Dei) celebrada pelo seu povo. A liturgia é, pois, acima de tudo uma obra realizada por Deus. Por isso Bento XVI pôde afirmar que “a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica: é antes um seu elemento constitutivo, na medida em que é atributo do próprio Deus e da sua revelação” (Bento XVI, Sacramentum Caritatis 35). Mas a liturgia é obra de Deus em favor do seu povo, o qual “responde a Deus com o canto e a oração” (Constituição Sacrosanctum Concilium 33).

Podemos afirmar que a arte, que é beleza, comporta harmonia. Na música, harmonia indica acorde de vozes e de sons. Na celebração litúrgica, a primeira harmonia é a que se estabelece entre a ação de Deus e a resposta da assembleia celebrante. A superficialidade e até, por vezes, a banalidade ou mesmo a negligência de algumas celebrações litúrgicas destroem esta harmonia e consequentemente minimizam a função principal da liturgia: introduzir-nos com todo o nosso ser num mistério que nos supera totalmente.

Lugar próprio de reunião do povo de Deus para as celebrações litúrgicas, particularmente para a Eucaristia, é o edifício-igreja. Na construção e adequação das igrejas, os princípios artísticos devem ser salvaguardados, mas devem ser salvaguardadas igualmente as exigências do mistério que nelas se celebra. Antigamente, o lugar de culto era chamado “domus ecclesiae”, isto é, casa da Igreja ou da assembleia comunitária. Consequentemente, esta casa deve construir-se e organizar-se de modo a espelhar o mistério da Igreja que nela celebra. Naturalmente, a igreja é também a casa do Senhor: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou Eu, no meio deles” (Mt 18, 20), disse Jesus. A igreja, portanto, não deveria ser uma sala de aulas, nem um salão de espetáculo, nem um lugar para assembleias sindicais, nem um espaço polivalente. A igreja é o lugar em que a comunidade cristã se reúne para celebrar os mistérios da sua fé. Por conseguinte, o que importa é que este lugar exprima uma relação dinâmica dos vários pontos focais da celebração, encarnada em elementos diversos harmonicamente organizados.

Eis, numa síntese brevíssima, as características harmónicas que deveriam ter estes diversos elementos no espaço da celebração, que não é um simples contentor, mas tem um valor simbólico e iniciático, isto é, diz a fé da Igreja e a comunica.

Fonte: Blog de Matias Augé “Munus: liturgia e dintorni”, com referências à obra de Loris Maria Tomassini, Nel segno della bellezza. Bellezza, liturgia e sensi spirituali, Cittadella 2022.