Uma leitura do filme “Belfast” *
Por Alexandre Freire Duarte
Há algumas semanas recebi, no meu email, uma mensagem de um leitor da VP a perguntar quanto recebia por escrever estes textos sobre o cinema e por que não falara do filme oscarizado que hoje justifica estas palavras: “Belfast”. Fiquei surpreendido, pois até pensava que ninguém prestava atenção a esta rubrica, mas lá respondi, respetivamente, “nada” e “esquecimento”, donde reparemos, nesta ocasião, este último aspeto.
Esta obra semiautobiográfica é um ousado drama íntimo, envolvente e, às vezes, terno filme. Um filme rodado a um melancólico preto e branco pontilhado por explosões de cor, que acabam por balancear as estilizadas cenas de violência e da dureza da vida com o humor e o amor, magnificamente testemunhados por um conjunto de, talvez excessivamente controlados, notáveis desempenhos subtis, carismáticos e calorosos.
Visto sob a ótima de um adolescente, o arco da história oscila, com alguns (poucos) momentos dececionantes, entre a confiança acerca do futuro e a debilidade do presente, num esvoaçar de sensibilidade, sinceridade e mérito cinematográfico, que, devo dizer, é raro encontrar nos nossos dias. Muitíssimo raro.
Teologicamente falando, estamos ante uma obra que celebra, tanto quanto mostra, que a única realidade que consegue manter-se verdadeira na vida é aquela que mais gente parece querer destruir nos nossos dias: a família que se mantém unida, numa tensão que permite a atenção, mesmo no seio dos sacrifícios que surgem no decorrer de uma existência em que se vive com partidas, chegadas e perdas. Sacrifícios esses, derivados de falhas de carácter pessoal, mas também do ódio pelo (inclusivamente a nível religioso) “diferente” de nós, instigado por astutos e ambiciosos agentes políticos invisíveis.
Também aponta para o facto de que a paz não advém de passeios de windsurf a dar migalhas em troca de visibilidade, antes de, com empatia e compaixão cristã, nunca se julgar quem foge de situações intoleráveis para si e para os seus. E foge, não por cobardia, mas para amar e proteger, melhor e no Senhor, quem, com aceitação e resolução, precisa de servir e quer manter são do ponto de vista moral. Sim: o cristão é nómada por vocação batismal, mas precisa de conhecer, quer aquela virtude da coragem discreta que é um traço fundamental da ação dos progenitores paternos, quer a virtude da prudência calorosa que as mães devem possuir (desculpem-me aqueles que acham que os papeis familiares são iguais).
Mais: o entretenimento vivido em conjunto é apresentado, não como um escape a sofrimentos reais, mas (conforme sempre defendi) como uma forma de ajudar a família a manter-se unida. Não numa união resignada, mas numa que encoraja a mudanças para o melhor no meio de um Mundo arbitrário em que os adultos, tantas e tantas vezes, fazem corroer a inocência alegre da meninice e da adolescência que só encontram segurança no seio do Deus-Amor, pelo testemunho da vivência familiar.
(* Reino Unido; 2021; dirigido por Kenneth Branagh, com Jude Hill, Lewis McAskie, Caitríona Balfe, Jamie Dornan, Ciarán Hinds e Judi Dench)