A pedagogia da Igreja: Domingo e o Ano Litúrgico

No final da Carta Apostólica Desiderio desideravi, de 29 de junho de 2022, Francisco faz um apelo a todos os responsáveis pela pastoral da Igreja, dos bispos aos catequistas passando pelos formadores dos seminários e docentes das Faculdades de Teologia para que «ajudem o povo santo de Deus a beber daquela que é desde sempre a primeira fonte da espiritualidade cristã»: a sagrada Liturgia. Há que voltar aos princípios teológicos expressos na primeira das Constituições aprovada pelo II Concílio do Vaticano, em convergência com as demais constituições conciliares. Há que restabelecer sem hesitações a unidade do Rito Romano reformado na fidelidade ao Concílio (DD 61).

E Francisco resume os objetivos deste documento em que ofereceu a toda a Igreja algumas reflexões sem qualquer pretensão de tratar o tema Liturgia de forma exaustiva: «Gostaria que esta Carta nos ajudasse a reavivar o assombro pela beleza da verdade do celebrar cristão, a recordar a necessidade de uma formação litúrgica autêntica e a reconhecer a importância de uma arte da celebração que esteja ao serviço da verdade do mistério pascal e da participação de todos os batizados, cada qual com a especificidade da sua vocação» (DD 62). Com estilo deuteronómico, afirma: «toda esta riqueza não está longe de nós: está nas nossas igrejas, nas nossas festas cristãs, na centralidade do domingo, na força dos sacramentos que celebramos» (Ibid.).

Se a formação para a liturgia precisa de programas especiais com calendários e horários específicos, a formação pela liturgia não precisa normalmente de outros tempos que não sejam os da celebração. É certo que há celebrações sacramentais de caráter único, que acontecem uma só vez na vida cristã e que poderão requerer uma mistagogia “ad hoc”. Mas o essencial da formação litúrgica é assegurado de forma contínua, cíclica e progressiva na celebração do domingo ao longo do ano litúrgico. O Papa dedica a esta estrutura os últimos parágrafos da sua Carta Apostólica (DD 63-65).

O Ano litúrgico proporciona-nos «uma verdadeira formação contínua» (DD 64). Como a seu tempo ensinou Pio XII, não se trata de uma nua comemoração de factos perdidos num pretérito mais que perfeito, mas é Cristo vivo que continua hoje connosco o seu caminho de misericórdia iniciado nos dias em que passou fazendo o bem. Francisco recorda-nos que «o ano litúrgico é para nós a possibilidade de crescer no conhecimento do mistério de Cristo, imergindo a nossa vida no mistério da sua Páscoa, na esperança da sua vinda» (DD 64). Graças a esta estrutura eclesial, a vida de cada crente e da comunidade deixa de ser «uma sucessão casual e caótica de acontecimentos» para se tornar «um percurso» de conformação a Cristo (DD 64), até à consumação da esperança escatológica.

Também o Domingo – sublinha – antes de ser um preceito, é um dom que Deus faz ao seu povo. «A celebração dominical oferece à comunidade cristã a possibilidade de ser formada pela Eucaristia» (DD 65). E ao falar em Eucaristia estamos a falar na riqueza do Leccionário dominical que de domingo em domingo e de ano em ano ilumina a nossa vida e nela, de algum modo, encarna; e estamos também a falar na comunhão no Corpo e Sangue de Cristo, participação sacramental no seu sacrifício redentor pela qual a vida dos batizados se torna oferenda agradável a Deus ao mesmo tempo que progride na comunhão fraterna e se sustenta para as fadigas e gozos da evangelização (cf. DD 65).

Eis o apelo final de Francisco: «Abandonemos as polémicas para escutarmos juntos o que o Espírito diz à Igreja, conservemos a comunhão, continuemos a maravilhar-nos pela beleza da Liturgia. Foi-nos dada a Páscoa, deixemo-nos guardar pelo desejo que o Senhor continua a ter de a poder comer connosco. Sob o olhar de Maria, Mãe da Igreja» (Ibid.).