O Cinema visto pela Teologia (42): “O Fotógrafo de Minamata”

Uma leitura do filme O Fotógrafo de Minamata” *

Por Alexandre Freire Duarte

Há muito tempo que, no fim de um filme, não sentia algo tão intenso como quando vi “O Fotógrafo de Minamata”. Todo o meu interior parecia estar a arder, como que consumido por um visceral incêndio frio, de comoção. Seja pelo visto; seja pelo que olho e não quero ver; seja pelo que encontro na vida de tantas pessoas que me são imensamente queridas.

Esta obra é um drama baseado em horríficos factos reais que se foca tanto numa luta lancinante contra o sofrimento, como na celebração (porventura já débil) do poder humanizador do jornalismo e da força da vontade popular. Pesando tudo, ela só perde por: descurar, quer a força da índole das personagens centrais, quer o moldar das que lhes são periféricas; “se dar ares” de excessiva importância; e ser demasiado polida para transmitir, ainda mais, a verdade do retratado.

O resto é magnífico: os desempenhos de Johnny Deep e Hiroyuki Sanada estão repletos de um poder magnético de persuasão e comoção, quiçá fruto do embate entre o condoer da personagem do primeiro e o estoicismo da figura do segundo; a música, a tocar o sombrio, é belíssima; a cinematografia denota uma inteligência visual soberba; a transição entre as três dimensões e a criação da sua memória a duas é delicada; enfim, a inserção de momentos tocantes no (belo, lento e incomodamente construtivo) arco narrativo global é absolutamente certeira.

A teologia moral poderá dizer que todo o filme flutua em zonas éticas cinzentas. É verdade: a ação da personagem principal é juntamente intrusiva e capital; as empresas poluem, mas geram empregos; os lucros das mesmas atraem pessoas sem escrúpulos, mas geram possibilidades; as mudanças são necessárias, mas a violência acaba por ser um veículo para esta; os protestos comunitários (vividos com empatia, compaixão e firmeza) são relevantes, mas apagam os indivíduos sob as engrenagens sociais descontroladas.

Mas há algo muito mais importante nesta obra. A regeneração espiritual de um ser humano – o fotojornalista representado por Johnny Deep –, de uma vida perdida e destruída (no saborear amago da posteridade da vanglória passada) até ao reencontrar-se como pessoa e artista num sentido para a existência que, como verdade objetiva que sempre é, veio ao seu encontro. E reencontrar-se, pelo vencer os seus lutos interiores, mediante o esquecer-se e resgatar a humanidade dos demais (sobretudo a dos que já pareciam não a ter, devido às suas horrendas doenças mentais e malformações corporais).

Não é isto que Jesus fez por nós? Não é isto que, como Igreja de Jesus, deveremos fazer? Sim, é. Ignorando o cântico sedutor (mas aprisionador) da fama desejada pelo nosso orgulho, arrisquemos e arrisquemo-nos no amor que se desdobra em ação amorosa em prol da causa maior: a de Deus (que remete, por sua vez, para o Reino que já vai sendo os demais). Garanto que não mais andaremos afadigados com as nossas preocupações, pois as dos demais nos aliviarão, ao porem aquelas numa ordem crística que as purifica, eleva, aprofunda, estende e pacifica.

(* Reino Unido, EUA, Japão; 2020; dirigido por Andrew Levitas, com Johnny Depp, Akiko Iwase, Kogarashi Wakasugi, Hiroyuki Sanada e Bill Nighy)