O Cinema visto pela Teologia (41): “Bullet Train: Comboio Bala”

Uma leitura do filme Bullet Train: Comboio Bala” *

Por Alexandre Freire Duarte

Tal como outras pessoas, cresci a ver desenhos-animados cheios de tiros, explosões, quedas de montanhas, perseguições. Mas eram desenhos-animados intencionados para fazer rir pelo ridículo das situações retratadas e, como é evidente, ninguém morria. “Bullet Train: Comboio Bala” é, ou pretende ser, algo de análogo a isso mesmo, mas dentro de uma betoneira a girar vertiginosamente cheia de sangue e com personagens que morrem de facto.

Este filme é, assim, uma ultraviolenta obra de mistério e ação, que só se logra ver se se conseguir rir da absurdidade do cúmulo de dança e de violência patenteado (algo que é potenciado por a narrativa ser tão acelerada que nem se pensa em nada). A bem-ritmada ação é espetacular; o cenário repleto dos néons das cidades japonesas encanta; as surpresas e os diálogos são inteligentes e as personagens curiosas e bem definidas, embora pouco aprofundadas.

De qualquer modo, é Brad Pitt, com o seu desempenho indolente de alguém suave no meio de uma obra tempestuosa, quem mantém tudo unificado, pois, apesar de aparentes esforços, a narrativa é um desalinho pretensioso, insincero, artificial e de tal modo superficial que não possui qualquer impacto emotivo positivo. Na realidade, apesar de pretender ser uma anti– e auto-paródia hiperbólica à violência de muitos filmes, acaba por redundar um descarrilamento ético brutal.

Não minto e como tal tenho que dizer que, somando tudo, gostei deste filme. Não se trata de uma obra de arte, nem dá muito para refletir, mas os temas do “destino” e do “azar” são interessantes a partir da ótica teológica. O ser humano, garante-nos a Bíblia, não está mecanicamente pré-determinado a ser, ou fazer, o que quer que seja e o cristão, vivendo na Liberdade (enraizada no Amor) do Libertador, sabe que, se tem uma destinação oferecida (uma vida em comunhão amorosa com Deus e os demais), ela é tão conatural à sua vocação batismal como a maçã o é para a macieira. Sim: a maçã é a finalidade desta árvore, mas não é o seu fim.

Outro tema a refletir é o da ultraviolência a que o ser humano acaba entregue para sobrevir, quando tenta viver, desde meros humanismos de pacotilha polvilhados de psicologias aturdidas, neste nosso Mundo de contrastes fraturantes. Nesse cenário, e como “Bullet Train” mostra, não há (nem pode haver) pessoas bondosas e o Cristianismo acaba por se converter num triste motivo para o escarnio e a comicidade de quem vive traumatizado por tal hiperviolência: psicológica; emocional; moral; sexual; e até, porventura, física (na linha dos defenestramentos padecidos por se seguir a Cristo Jesus aquém dos calculismos frios e oportunistas, que ardilosamente ditam estandardizados “modos de pensar” ignorantes do amor).

Num mundo assim, é impossível que todos estejam “no mesmo barco”. Os objetivos dos nossos egos são mutualmente exclusivos, dado que desconhecedores que a cruz do seguimento amoroso de Jesus, que nos leva a reconhecer que a magnanimidade do perdão só é verdadeira quando já não precisa de esquecer o que quer que seja, não deve ser arrastada, mas levada bem erguida para vivificar a tudo.

(* EUA, Japão; 2022; dirigido por David Leitch, com Brad Pitt, Joey King, Aaron Taylor-Johnson e Sandra Bullock)