Uma exigência para os ministros ordenados

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Sendo certo que toda a assembleia celebrante se deve exercitar na ars celebrandi, contudo devem ser os ministros ordenados a cultivá-la com especial cuidado. A experiência diz-nos que o modo como os pastores da Igreja presidem à celebração condiciona (em sentido positivo ou negativo) a vivência litúrgica das respetivas comunidades. Há mais de 20 anos, uma revista  latino-americana publicou uma série de caricaturas bem-humoradas respondendo à pergunta: «que tipo de celebrante é o senhor?»: os exemplos eram variados: o robot, o incomunicado, o folclórico, o deslocado, o apressado, o arqueólogo, o polvo, o quinquilheiro, o agrilhoado, o charlatão, o merceeiro, o balancé, o faz-tudo, o domador, o burocrata, o piloto de rali, o divo, o desconectado, o descuidado, o recorrente, o cangalheiro, o sábio… A todas estas caricaturas era contraposto João Paulo II como modelo positivo de celebrante: um apóstolo convicto que vivia e irradiava, um homem “presente”, que habitava os seus gestos e palavras, sempre atento a tudo e a todos mesmo quando não estava em ação, que sabia incorporar-se na assembleia a que presidia, que valorizava o silêncio que envolvia a oração e sabia dar todo o valor às palavras que a exprimiam, para quem o agir “in persona Christi” era efetivamente agir na identificação específica, sacramental com o Sumo e eterno Sacerdote (Dominicae Coenae,  8: EDREL 2671).

Também Francisco, na Carta Apostólica Desiderio desideravi elenca uma possível lista de perfis mais ou menos caricaturais de formas inadequadas de presidir: «rigidez austera ou criatividade exagerada; misticismo espiritualizante ou funcionalismo prático;  precipitação apressada ou lentidão acentuada; descuido negligente ou excessiva minúcia; excessiva afabilidade ou impassibilidade hierática» (DD 54). Estas atitudes, aparentemente contrastantes têm em comum «um personalismo exacerbado do estilo celebrativo que, por vezes, manifesta uma mal disfarçada mania de protagonismo». Nas redes sociais abundam exemplos destas interpretações menos felizes do ministério litúrgico da presidência.

Não se preside à liturgia por delegação da comunidade mas em virtude do dom do Espírito recebido na ordenação. E é o próprio exercício da presidência que deve «formar» o presbítero (DD 56). Para desempenhar bem esse serviço, ele tem de ter a consciência viva de estar a dar corpo a uma das modalidades da presença de Cristo Ressuscitado no meio do seu povo (cf. SC 7). Tudo o que ele diz e faz ganha, assim, densidade sacramental: «A assembleia tem o direito de poder sentir nesses gestos e nessas palavras o desejo que o Senhor tem, hoje como na última Ceia, de continuar a comer a Páscoa connosco. O Ressuscitado é, portanto, o protagonista… O próprio presbítero deve ser absorvido por este desejo de comunhão que o Senhor tem para com todos: é como se estivesse no meio entre o coração ardente de amor de Jesus e o coração de cada fiel, objeto do seu amor. Presidir à Eucaristia é submergir-se na fornalha do amor de Deus» (DD 57).

Esta atitude é o pressuposto imprescindível de uma autêntica «arte de celebrar». «A norma mais alta e, portanto, mais exigente, é a própria realidade da celebração eucarística que seleciona palavras, gestos, sentimentos, levando-nos a compreender se são ou não adequados à função que devemos desempenhar. É evidente que também isto não se improvisa: é uma arte, requer do presbítero aplicação, isto é, uma frequência assídua do fogo de amor que o Senhor veio trazer à terra (cf. Lc 12, 49)» (ibid.). «Tornados instrumentos para fazer deflagrar o fogo do seu amor na terra… os presbíteros deixam-se trabalhar pelo Espírito que quer levar a cumprimento a obra que começou na sua ordenação. A ação do Espírito oferece-lhes a possibilidade de exercer a presidência da assembleia eucarística com o temor de Pedro, consciente do seu ser pecador (cf. Lc 5, 1-11), com a humildade forte do servo sofredor (cf. Is 42 ss), com o desejo de “ser comido” pelo povo que lhes está confiado no exercício quotidiano do ministério» (DD 59). «O presbítero é, pois, formado para a presidência pelas palavras e pelos gestos que a liturgia põe nos seus lábios e nas suas mãos» (DD 60).

Francisco exemplifica algumas consequências dessa «arte» em relação à sede da presidência que não pode ser um trono, ao respeito pela centralidade do altar, à atitude humilde e penitente com que o celebrante se abeira do altar, ao modo como diz as palavras que a Liturgia põe na sua boca e que dão forma aos seus sentimentos íntimos, ao oferecer-se a si mesmo em união com Cristo. O ministro ordenado não pode repetir as palavras de Cristo na Última Ceia sem «viver o mesmo desejo de oferecer o seu próprio corpo, a sua própria vida pelo povo a si confiado» (DD 60).