
Por M. Correia Fernandes
Nos dias que correm, tem-se instalado na comunicação social o império da palavra acusadora, esquecendo o papel mais fundo e mais sentido da palavra compreensiva e atenta. A palavra acusadora é por natureza palavra fácil e impensada. A palavra compreensiva reflete a reconhecimento daquilo que é dito e das pessoas de quem é dito.
Recordo que para o ano de 2013 (já tão distante) o Papa Bento XVI propunha para o Dia das Comunicações Sociais do ano seguinte o tema “Silêncio e palavra: caminho de evangelização”. Onde se lê “evangelização” podia ler-se simplesmente “comunicação”.
Propor à comunicação social, espaço de palavra e de imagem, o conceito de silêncio, pode ter duas leituras: o inconsciente desfasamento do real, ou a busca de um paradigma informativo e reflexivo mais amplo e mais profundo do que o que é transmitido pelos dados mais imediatos e de mais tradicional sentido, que é o da presença, da rapidez e do imediatismo, do choque social, em vez da sensata busca de sentido.
A proposta era na altura um apelo de tomada de consciência, que continua a ser premente e ainda mais exigente nos tempos que correm, da importância de uma reflexão sensata sobre os acontecimentos, com o necessário distanciamento crítico em vez do imediatismo superficial. Há que propor e construir um equilíbrio ente o silêncio, a palavra, a imagem (só aparentemente é silenciosa, a imagem fala) e o som que nos chega. No ecossistema mediático que nos avassala, importa criar um equilíbrio entre as diversas dimensões da comunicação, num tempo em que a profusão das mensagens prejudica o seu equilíbrio: quando as mensagens e a comunicação são abundantes, torna-se essencial o silêncio, para discernir o que é verdadeiro, o que é importante do que é acessório e inútil, ou malévolo e prejudicial.
Postulava-se nesse tema uma dimensão que devia ser essencial na comunicação: a reciprocidade. Nesse sentido a capacidade de silêncio ajuda a criar um espaço de consulta recíproca na positiva dinâmica da comunicação: a palavra e a resposta. Nos dias que correm, nos grandes meios a comunicação esquece-se esta dimensão: geralmente quem é visado não pode apresentar a sua defesa.
Neste mundo irracional e interesseiro da comunicação propositadamente unidirecional, insistente e repetitiva, com a finalidade de conduzir a julgamentos e atitudes impensadas e cominadoras de penalização, falar de silêncio na comunicação social constitui a um tempo um desafio aos conceitos entranhados do imediatismo e do interesse, da eficácia, da pressão psicológica e social, da imposição de modelos comportamentais, para uma busca e proposta de caminhos novos e menos espinhosos para a partilha dos valores humanos, do respeito mútuo e da procura de caminhos de superação do mal, menos espinhosos para a partilha humana.
É neste contexto de silêncio e palavra que se inscreve o fundo projeto humano e o mais lídimo projeto de inspiração cristã: educar em comunicação deve ser educar-se em comunicação, aprender a escutar, respeitar os visados, ajuizar e contemplar com lucidez, dialogar e encontrar-se, na identidade e na sua responsabilidade de cada um: do que informa e daquele sobre quem se informa.
Importa desenvolver a acuidade da visão dos dados e dos problemas. Perante as coisas mais trágicas da vida importa sempre encontrar uma nova dimensão para elas.
Olhar hoje o mundo truculento da comunicação social não pode deixar de inquietar as gentes de coração sincero, e mobilizar o mundo de crentes e não crentes na inquietação pela dignidade essencial da pessoa humana. Essa dignidade comporta o reconhecimento do mal e a procura de vias de solução e de caminhos de reconciliação. Temos que substituir a justiça do imediato julgamento e condenação por uma justiça fundada no reconhecimento e na denúncia do mal, pela justiça e pelos caminhos da recuperação.
Para os grandes meios de hoje, há que repensar a ética da comunicação, na superficialidade dos julgamentos, exigindo o assumir das responsabilidades do que é dito e divulgado, no imediatismo dos julgamentos.
Há caminhos de seriedade que andam esquecidos ou postos à margem. Há que repensar o valor do silêncio e da palavra…