Uma leitura do filme “A Noite Passada em Soho” *
Por Alexandre Freire Duarte
Eis-me regressado a um filme de 2021. Algo oportuno por dois motivos: no ano-letivo que passou, parecia que só ouvia discentes meus (que aceitam o “oculto” e a ele se entregam) falarem no que este filme lhes “ensinou”; e, também, porque esta obra flutua entre um presente tragado e um passado ominoso.
Este filme é, à primeira vista, um pesadíssimo mistério psicológico de horror, com amplos ecos de: violência; banalização sexual das mulheres; e “oculto”. Mas, por detrás, esconde-se uma atraente história de inadaptação da inocência à maldade e à mundanidade circundante (com todos os problemas mentais que isso comporta).
A banda sonora e as imagens são requintadas; a história é apelativa, embora se perca em detalhes desnecessários (que, ultimamente, não dão nó num final assim feito decrépito, caótico e depressivo) em prejuízo de uma maior atenção ao perfil e às emoções das personagens; estas últimas são geralmente vibrantes e cativantes, mas perdem-se, igualmente, um pouco nos ensaios inertes do diretor deste filme.
Vendo “A Noite Passada em Soho” como teólogo, diria que todo ele nos diz que é no nosso presente (pois sempre do Deus-Amor) que, por mais espinhoso que seja, devemos viver, em vez de nos darmos a escapismos que nos podem encerrar num passado que já não controlámos (mais ainda se, por isto ou aquilo, a nossa memória ainda não estiver curada por Aquele). Senão, a nossa relação com quem, e com o que, vivemos, poderá, sem necessidade alguma de se ir buscar pseudo-causas no “oculto”: começa por uma fantasia tonta; passa por uma nuvem negra; e chega a uma autêntica conturbação no mínimo neurótica, eventualmente psicótica e até, na pior das hipóteses, de apreço espiritual (depressa degenerativo) pelo desamor.
Que doloroso que é (pelo menos para mim) saber que também existem tantas jovens raparigas universitárias deslocadas que se sentem perdidas e desamparadas, nesta urbe da Virgem, acabando por se verem manipuladas e entregues a dinamismos sociais imorais. E por que não as apoiamos? Se calhar porque não lhes damos amplitude de coração para, não se sentindo criticadas, virem ter connosco – comunidades cristãs e cristãos individuais. Quem como nós as pode ajudar a (re)ver o Mundo (com todas as suas dificuldades e dilemas) com olhos adultos cheios de confiança, esperança e amor? Quem como nós – por sabermos o que é o amor do Deus-Amor (e, assim, o trágico que é viver sem Ele) – poderá olhar para os seus “infernos” e ensinar-lhes as lições que, por si mesmas, não puderam aprender e, depois, ajudá-las, com a graça do Senhor, a sair deles?
Para isto, vivamos naquele aduzido presente, que é “onde” devemos melhorar as nossas vidas, conhecendo o que é, e como viver, o amor cristão mais grato e gratuito. De facto, e este filme mostra isso mesmo, o amor pode curar muito daqueles desajustes e problemas. Sobretudo se se tratar daquele que nos vê e sabe feridos, e, apesar de tudo, não se fasta de nós, antes nos dá todo o seu apoio num “resgate” desamparado que, como aconteceu com Jesus, lhe pode custar tudo.
(* Reino Unido, EUA, China; 2021; dirigido por Edgar Wright, com Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy e Matt Smith)