Por uma genuína “arte de celebrar”

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Na sua Carta Apostólica Desiderio desideravi, o Papa Francisco preconiza o cultivo e exercício de uma autêntica «ars celebrandi». Efetivamente, para que a liturgia forme para a liturgia não pode celebrar-se de qualquer maneira, de forma meramente exterior, sem se compreenderem os dinamismos e «leis» internas da ação litúrgica, sem se ter uma noção esclarecida da sua dimensão teológica, sem qualquer sobressalto íntimo e consequente predisposição para o assombro ante a maravilha do mistério pascal que nela nos é presenteado. Não se pode/deve celebrar no desrespeito da «lex orandi» da Igreja, de forma precipitada, atabalhoada, manipulada, sem arte e sem alma. A «formação litúrgica» recorre necessariamente à «arte de celebrar» para conservar e fazer crescer os fiéis na compreensão vital dos símbolos.

Atenção: falar em «arte de celebrar» não é recuperar as velhas conceções juridista (não basta cumprir rubricas!) ou esteticista (apostar numa criatividade fantasiosa), já a seu tempo censuradas por Pio XII na encíclica Mediator Dei (1947). Francisco sublinha que esta «arte» não pode prescindir da referência ao sentido teológico da Liturgia tal como SC 7 o apresenta (DD 48).

A prática de qualquer arte pressupões conhecimentos. Entre os pressupostos pela ars celebrandi, o Papa destaca o respeito pelo dinamismo da Liturgia em que «a ação celebrativa é o lugar em que, através do memorial se torna presente o mistério pascal para que os batizados, em virtude da sua participação, possam experimentá-lo na sua vida: sem esta compreensão cai-se facilmente no exteriorismo (mais ou menos refinado) e no rubricismo (mais ou menos rígido) (DD 49). Além disso, para que a arte de celebrar esteja em sintonia com a ação do Espírito, é preciso conhecer o modo como o Espírito age em cada celebração (Ibid). Sem essa «competência» resvala-se para o subjetivismo ou para a «culturalite»: teremos grande investimento em criatividade e veremos grandes «artistas» em ação, mas não é isso a «arte de celebrar» porque se tresmalhou o seu objeto – o mistério Pascal – e se equivocou quanto ao verdadeiro protagonista dessas obras primas que só pode ser o Espírito Santo. «Por fim – recorda Francisco –, é necessário conhecer as dinâmicas da linguagem simbólica, a sua peculiaridade, a sua eficácia» (DD 49).

Por tudo isso, a arte de celebrar não se improvisa, mas requer aplicação assídua (DD 50). Não basta dominar a técnica, é preciso «ser possuído» pela arte, como um verdadeiro artista. A título de exemplo: ser-se perito na arte de falar em público pode ajudar – e Francisco recordará mais adiante que «as palavras que a Liturgia põe nos lábios [do celebrante] têm conteúdos diversos que requerem tonalidades específicas: pela importância destas palavras é exigida ao presbítero uma verdadeira ars dicendi [arte de dizer]» (DD 60). Mas essa técnica, como outras, é instrumental. Só será útil na condição de se «submeter à natureza da Liturgia e à ação do Espírito» (DD 50). «Deve despertar-se de novo o sentido do alto estilo da oração, a vontade de implicar também nela a nossa existência. Mas o caminho para estas metas é a disciplina, a renúncia a um sentimentalismo mole; um trabalho sério, feito em obediência à Igreja» (Guardini).

Advirta-se que o cultivo desta «arte de celebrar» é para todos os batizados (DD 51). Francisco dá exemplos: a unidade de toda a assembleia nas mesmas atitudes, gestos e palavras: «são muitos os modos com que a assembleia, como um só homem (Ne 8, 1), participa na celebração. Realizar todos juntos o mesmo gesto, falar todos juntos a uma só voz, transmitir a cada um a força de toda a assembleia. É uma uniformidade que não só não mortifica mas, pelo contrário, educa cada fiel a descobrir a unicidade autêntica da própria personalidade não em atitudes individualistas mas na consciência de ser um só corpo» (n. 51).

Um segundo exemplo desta «arte coletiva», que se reveste de «importância absoluta», é a observância comum do silêncio nos momentos previstos (DD 52). Não se trata de procurar refúgio num «isolamento intimista» que estaria «em contradição com a própria essência da celebração» (ibid.). «O silêncio litúrgico é muito mais: é o símbolo da presença e da ação do Espírito Santo que anima toda a ação celebrativa» e exprime a sua ação multiforme. «Somos chamados a realizar com extremo cuidado o gesto simbólico do silêncio: é nele que o Espírito nos dá forma» (DD 52).