A Igreja na comunicação social

Por M. Correia Fernandes

Quem seguir as notícias e comentários sobre a Igreja portuguesa na nossa comunicação social, se não possuir uma capacidade de leitura refletida, necessariamente crítica e distanciada, formulará uma imagem distorcida da realidade. Esquecem-se os dados essenciais da sua ação em favor dos episódios marginais, das denúncias, fundadas ou infundadas, mas sempre repetidas e tomadas como cerne da questão. Não se sente que os intervenientes  na grande imprensa se preocupem por valorizar a dimensão pastoral e o anúncio para a sociedade dos valores que constituem o seu cerne espiritual e a razão da sua existência.

É significativo, por exemplo, que a movimentação juvenil de muitas idades que se tem afirmado na sociedade nos dias que correm, na dinâmica de preparação da Jornada Mundial da Juventude, pouca referência e nenhuma relevância tenha tido nos meios de comunicação “oficiais”, já que o recurso às chamadas redes sociais tem procurado obviar a uma tal ausência.

É neste sentido que, com a devida vénia e com a aceitação do autor, fazemos nossas as reflexões sob o título Retratos da nossa igreja, propostas por José Matias Valente de Azevedo, pároco de Santa Cruz do Bispo (Matosinhos), no seu jornal Crescendo, agradecendo a disponibilidade para a sua apresentação em sintonia com a nossa própria dimensão eclesial.

Alguns Meios de Comunicação Social e uma certa Opinião Púbica intrometem-se cada vez mais na vida da Igreja, particularmente em relação ao clero. Apresentam retratos que incidem predominantemente sobre a vertente sociológica, escalpelizando pontos críticos, por vezes a preto e branco. Mesmo a partir de dentro da própria Igreja, aparecem retratos redutores, como aquele resultante da Síntese Sinodal que a Conferência Episcopal tornou público, em que se dá nota de uma Igreja “hierárquica, clerical, estagnada e resistente à mudança”, um retrato que questiona frontalmente os católicos. Apresenta a Igreja como uma Instituição em ”declínio social”, visão em nada diferente das leituras sociológicas de uma certa opinião pública adversa e “do politicamente correto”, que predominam na sociedade laica, fora da Igreja. Nem todos os católicos se revêm nesse retrato, por lhes parecer meramente social, redutor e incompleto. A Igreja que vive no nosso tempo não deve fechar-se a nenhumas análises, mesmo que venham eivadas de insuficiências e opiniões públicas ou publicadas adversas. Em tempo de escuta, de diálogo e de inclusão, consentâneo com a sensibilidade sinodal, é de aceitar “outros” e muitos ”retratistas” que oferecem diferente ângulos de visão, em ordem à necessária aculturação da Igreja. São desafios para uma Igreja no caminho da renovação e da mudança.

O contraditório contribui para a formação duma consciência cada vez mais evolutiva e critica, de que a Igreja não pode ter medo. Sempre foi desafiada a interagir com as opiniões reinantes, com as modas e com as culturas emergentes. A sua aculturação, feita com as marcas do tempo, concretiza-se pela dialética entre os seus valores e os valores de cada tempo. Hoje, mais do que nunca, deve emergir a abrangência de uma Igreja Sinodal que se sente inclusiva e que aceita o “diferente”, em escuta com todos. A dinâmica espiritual e cultural da Igreja fará a verdadeira simbiose dos valores que devem sinalizar os caminhos. Portanto, não ter receio dos diferentes retratos, provenientes de dentro e também de fora, mesmo daqueles resultantes de uma opinião pública adversa, como parece ser hoje, sobretudo aqueles que se fixam em escândalos, em denúncias farisaicas e mediáticas, como são os evidenciados nalguma Comunicação social, ávida em apontar batarias para uma Igreja que, felizmente, ainda incomoda a consciência moral da sociedade. Não deixa de ser interessante que se reclame a perfeição e a santidade projetadas para além da denúncia. Um tal tratamento e exasperada condenação da Igreja, mais do que inquietante, devem ser entendidos como contributos purificatórios, meta e ideal a atingir. Os processos de “destabilização” na Igreja, fazem parte da dialética de aculturação e ajudam a retocar os vários rostos e a complexidade de uma Igreja que não pode alhear-se da sua incarnação no seu tempo. Este é o caminho sinodal pelo qual o Espírito fará aparecer retratos sempre retocados ou novos de uma Igreja em construção, agora mais do que nunca ”em escuta, em diálogo” e em comunhão, aberta à leitura dos sinais dos tempos. (José Matias Valente de Azevedo, Crescendo, jornal mensal de Santa Cruz do Bispo, Outubro de 2022).