“A tua existência é uma bênção”

Por João Alves Dias

Na semana passada, mão amiga ofereceu-me o livro que o Papa Francisco deu aos sacerdotes na Missa Crismal deste ano, na Basílica de São Pedro. O Secretariado Nacional de Liturgia publicou, em 4 de agosto, a versão portuguesa com o título “A vocação do padre perante as crises – A fidelidade criativa”.

Na ‘Apresentação’ (pág. 7), D. José Cordeiro começa por escrever: “Agradecemos ao Secretariado Nacional de Liturgia que, em boa hora, traduziu esta obra acerca do padre nesta mudança de época. (…) São muitas as perguntas que D. Bustillo (o autor) coloca: Para que é que vivemos? Para quem vivemos? Onde estamos andando? Onde queremos ir? Vivemos numa Igreja que sonha? Temos um coração e um espírito velhos?”

Para mais adiante, acrescentar: ”Não podemos esquecer que «sem a dimensão espiritual, a nossa vida pode ser filantrópica, altruísta, humanista, mas não cristã» (pág. 60). Por outras palavras: «a natureza gratuita da adoração orienta-nos para o essencial. A comunhão com o Senhor purifica as nossas tendências para o sucesso, à ação, talvez à agitação, para permanecermos na presença pacífica de Jesus» (pág.200).

O livro com 218 páginas, está dividido em nove capítulos: – I. Senhor, não nos deixeis envergonhados – II. Funcionários? – III. Nós te escolhemos como padre – IV. Governar – V. Ensinar – VI. Santificar – VII. O tato do Padre – VIII. Reparar a vida relacional – IX. Portadores de Vida.

Não querendo secar o manancial que brota de fonte tão cristalina, limito-me a partilhar convosco dois momentos da minha leitura.

– A importância da dimensão comunitária da vida pastoral: “Se o padre reduz a pastoral ao culto, corre o risco do tédio e da preguiça. Se se entrega sem limites e sem muita ordem à missão, corre o risco da fadiga física e psicológica. Par evitar vidas neuróticas, é importante explorar a dimensão comunitária da vida pastoral. (…) A amizade com os leigos e com famílias (…) faz sair o padre de um círculo vicioso e mortífero, o da ação e da agitação.

Gostaria de insistir, por um instante, sobre a importância dos leigos no acompanhamento dos padres. O padre tem necessidade dos outros para evitar uma vida triste e neurótica. Ele não pode passar sem os outros padres – a fraternidade sacerdotal –  e também não pode passar sem os leigos. Estes oferecem-lhe uma normalidade humana. Santo Agostinho insiste na ligação entre o pastor e o seu povo. Sem esta ligação o padre corre o risco de se tornar um verdadeiro funcionário». (pág. 38)

– A alegria evangélica da partilha é a chave de ouro que encerra o livro:

“Jesus deixou-nos a Sua alegria para que nós a possamos espalhar no mundo. A nossa missão não se limita a uma ação. Já o dissemos, nós não somos negociantes do sagrado. Se a nossa missão não é animada por uma alma evangélica, ela será um sucesso profissional como tantos outros. O mundo espera por testemunhas do Evangelho, capazes de dizer aos outros: «A tua vida é uma alegria, obrigado por existires» ou ainda, de incarnar o amor do Senhor, dizendo aos outros: «A tua existência é uma bênção» (pág. 212-213).

Em jeito de síntese: “O período que nós vivemos não é simples. Os padres, também eles, vivem o seu ministério numa época de incertezas. Estas incertezas podem suscitar tanto medos como entusiasmos. A missão do padre não é conseguir salvar o mundo com táticas e estratégias missionárias, mas conseguir viver com paixão a sua vocação. Se o mundo prega a produção e o êxito, o Evangelho prega a fecundidade. As crises encorajam os padres a velar pela sua humanidade, a cuidar da sua interioridade, a cultivar os desejos e a não sufocar os seus sonhos. (Na contracapa)

Um livro para ser lido e meditado, ou melhor, ‘comido’, como gostava de dizer o nosso querido D. Manuel Martins… A profundidade da análise sociológica, a perspicácia das observações psicológicas e a pertinência das orientações pastorais fazem dele um tesouro para os presbíteros, mas também para todos os cristãos.

Um belo ‘livro de cabeceira’…