Um novo Contrato Social

Por Jorge Teixeira da Cunha

O nosso país, e outros como nós, está a enfrentar problemas sociais e políticos de uma complexidade enorme. Queremos aludir aos problemas relativos ao que nos habituámos a chamar “Estado social”, ou seja, aos mecanismos que asseguram a redistribuição do produto do nosso trabalho, pagando pensões de velhice, serviços de educação, de saúde, de protecção no desemprego, na doença e na invalidez. As pessoas que estão no meio da vida não sabem se poderão beneficiar de uma velhice tranquila e as novas gerações começam a revoltar-se por ver o seu futuro comprometido. Este problema é devido em grande medida à inversão da pirâmide demográfica, uma vez que as gerações jovens são cada vez menos numerosas do que as idosas, ao contrário do que costumava acontecer. Este assunto tem uma consideração técnica e política imediata, mas aconselha também a uma reflexão de fundo, de ordem ética. É essa que desejamos propor, sob a forma da ideia de um novo Contrato Social. Este contrato é o nome que se costuma dar, em política e ética, aos fundamentos básicos, antropológicos, éticos e religiosos, que estruturam a nossa vida associada. Para enfrentar os problemas imediatos que nos ocupam, devemos ir um pouco mais longe para ver a partir de que ideias estamos a pensar as coisas.

O Contratos Social moderno foi elaborado, em boa medida, por filósofos e teólogos cristãos. Para justificar a constituição da sociedade, partiram da ideia de que os seres humanos são maus por natureza e, por isso, é necessário confiar ao Estado a fundação da lei civil e a penalização dos transgressores. Num primeiro momento, o Estado centralizou o uso da força, mas, progressivamente, tomou também conta dos aspectos económicos e, mais recentemente, da defesa do meio ambiente. Hoje, temos uma situação em que o Estado toma conta da vida dos cidadãos desde o nascimento até à morte, castiga e recompensa, regula a vida pública e a vida privada, alimenta, cuida, educa, fornece convicções e normas morais. Nalguns casos, não hesitou mesmo em regular as matérias religiosas. O resultado é que, hoje, temos uma instituição pesadíssima, que administra de mais de metade do produto do trabalho, e é permeável a uma corrupção insanável. Chegámos a uma situação de ingovernabilidade, a uma desresponsabilização da massa do povo, a um novo predomínio do mais forte que se apropria daquilo que é de todos. É aqui que surge a necessidade de um novo Contrato Social. Quais as ideias que, segundo a doutrina social da Igreja, deveriam informar este novo pensamento sobre o fundamento da vida social?

A primeira ideia seria reconhecer a bondade da vida da sociedade, ao contrário do pessimismo moderno. A sociedade é dada, antes de ser constituída pelo nosso poder. Daí que vem a bondade, uma bondade que se mostra na criatura vivente, na associação familiar, onde se origina e se transmite a vida e as principais convicções. Neste nível elementar se funda a virtude cívica, a laboriosidade, o cuidado de si e dos outros, dos animais e das plantas. Antes do Estado, existe a Igreja e a família com instituições mais próximas da vida. Elas são mais eficazes na promoção da vida e dos meios económicos e morais do seu desenvolvimento. Um novo Contrato Social tem de inverter a ordem antiga e assentar na ideia de que, logicamente, antes do Estado, já existe vida, espiritualidade, moral, trabalho. Ao Estado não compete monopolizar a vida da sociedade, como tem sido, mas garantir a viabilidade da vida de todos.

A segunda ideia seria a reconciliação do produto do trabalho humano com o seu sujeito. Hoje, o produto do trabalho é administrado por estranhos, por uma burocracia opaca. Por isso, urge que o valor do trabalho seja atribuído ao seu sujeito e haja uma transferência das retenções para o salário das pessoas que produzem o valor. Em vez de aumentarmos as prestações sociais, urge aumentar os salários e deixar as pessoas administrar aquilo que lhes pertence, pois foram elas que produziram a riqueza. Deste modo, as pessoas por certo trabalhariam com mais gosto e seriam mais capazes de escapar à pobreza que atinge mesmo os que estão empregados.

Em terceiro lugar, o novo Contrato Social tem de ser muito menos ambicioso quanto à sua justificação ideológica, pois não compete ao Estado saber o que bem para os seus cidadãos, no que se refere a convicções espirituais e morais. Isto é muito importante no que se refere à educação e à saúde que gastam imenso dinheiro para pôr no terreno ideias que estão longe de ser justificadas eticamente e mesmo partilhadas pela maioria.

Poderíamos ir muito mais longe. O que fica dito tem a finalidade de abrir horizontes para a resolução dos problemas ingentes com que estamos confrontados e que estamos a tentar em vão resolver, se não formos capazes de abrir o horizonte do nosso espírito a um espaço mais amplo.