Formação para a Liturgia

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Na sua Carta Apostólica Desiderio desideravi (29/06/2022), o Papa Francisco diz que a questão importante da hora atual em matéria litúrgica já não é a da «reforma». Quem reconhece a validade do Concílio – e quem se diz católico não a pode questionar – acolhe a reforma litúrgica decretada por esse mesmo Concílio desde o seu primeiro documento. A este nível – mais eclesiológico do que de «sensibilidade ritual» – a questão pode considerar-se ultrapassada. Continuar esse debate é distrair-se da tarefa que agora mais urge: «como crescer na capacidade de viver em plenitude a ação litúrgica? Como continuar a surpreendermo-nos com o que acontece na celebração diante dos nossos olhos? Precisamos de uma séria e vital formação litúrgica» (n. 31).

Neste contexto, Francisco convida-nos a reler Romano Guardini que foi quem, desde o primeiro quartel do século XX melhor equacionou o problema: «Eis a primeira tarefa prática a fazer: sustentados por esta transformação interior do nosso tempo, devemos aprender de novo a colocarmo-nos perante a relação religiosa como homens em sentido pleno» (Guardini, Formação litúrgica, citado por DD 34). Francisco distingue dois momentos nesta tarefa prioritária: formação para a liturgia e formação pela liturgia, sendo que é esta que mais importa (DD 34).

Não descuidemos a formação para a liturgia pelo cultivo da ciência litúrgica. O movimento litúrgico propiciou imensos estudos nesta área, com um importante movimento editorial, o conhecimento e estudo das principais fontes litúrgicas do oriente e do ocidente, a publicação de revistas da especialidade, a criação de institutos e centros dedicados ao estudo da liturgia e o aprofundamento da sua dimensão teológica para a qual o próprio Magistério deu preciosos contributos. É importante que estes conhecimentos deixem de ser apanágio de um reduzido número de eruditos e sejam cada vez mais partilhados por todos os fiéis para celebrarem de forma mais consciente a Páscoa, a Eucaristia dominical ao longo do ano litúrgico, os sacramentos e sacramentais que ritmam o percurso da vida cristã.

Responsabilidade especial cabe aos ministros ordenados: «desempenham uma ação pastoral de primária importância quando tomam pela mão os fiéis batizados para os guiar dentro da repetida experiência da Páscoa» (DD 36). «É evidente que para poder guiar os irmãos e irmãs, os ministros que presidem à assembleia devem conhecer o caminho quer porque o estudaram no mapa da ciência teológica quer porque o frequentaram na prática de uma experiência de fé viva» (DD 36).

Sendo certo que «o conhecimento que vem do estudo é só o primeiro passo para poder entrar no mistério celebrado» (Ibid.), importa contudo regressar às orientações do Concílio no que diz respeito ao lugar da liturgia no plano de estudos dos Seminários e institutos de formação teológica (DD 37). Francisco pensa que «uma abordagem litúrgico-sapiencial da formação teológica nos seminários também teria, certamente, efeitos positivos na ação pastoral. Não há aspeto da vida eclesial que não encontre nela o seu cume e a sua fonte. A pastoral de conjunto, orgânica, integrada, mais do que ser o resultado de programas elaborados é a consequência do colocar no centro da vida da comunidade a celebração eucarística dominical, fundamento da comunhão. A compreensão teológica da Liturgia não permite de modo algum entender estas palavras como se tudo se reduzisse ao aspeto cultual» (DD 37).

Em relação aos seminários, o Papa faz uma observação pertinente: «para além do estudo devem também oferecer a possibilidade de experimentar uma celebração não só exemplar do ponto de vista ritual, mas autêntica, vital, que permita viver aquela verdadeira comunhão com Deus à qual também o saber teológico deve tender. … Essa experiência é fundamental para que, quando forem ministros ordenados, possam acompanhar as comunidades no mesmo percurso» (DD 39).

Esta formação para a liturgia não se adquire de uma vez por todas. Porque o dom do mistério celebrado sempre excede as nossas capacidades de conhecimento, importa cuidar do aprofundamento deste conhecimento com planos atentos de formação permanente (DD 38).