
Por M. Correia Fernandes
Foi perante o testemunho de uma lua cheia, geradora de história e mistério, que a paróquia de S. Salvador de Grijó recordou de novo a história da fundação do seu Mosteiro, referenciada no ano de 922, nos seus mil e cem anos, e das tradições que lhe são associadas: a dos Mártires de Marrocos (de quem existe um relicário na sua sacristia), de Santo António e de D. Rodrigo Sanches (1200-1245), cujo belíssimo túmulo se encontra atualmente valorizado numa das salas do seu claustro.
A história dos mártires de Marrocos, lembra que em 1220, por inspiração de Francisco de Assis, um grupo de cinco “frades menores” foram enviados para evangelizar as terras do norte de África e tiveram que enfrentar o poder do sultão local, na cidade de Marraquexe, tendo sido condenados à morte por anunciarem Jesus Cristo. Eram cinco, de seus nomes, Berardo, Otão, Pedro, Acúrsio e Adjuto, que partindo de Assis passaram pelo mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Ali encontraram o então Cónego regrante Fernando de Bulhões, que tinha vindo do Lisboa, e que mais tarde se tornaria Santo António (de Pádua ou de Lisboa, pouco importa). Foi a coragem destes religiosos que motivou Fernando de Bulhões a querer imitá-los, tomando o hábito franciscano.
Diz a história que quis também ir evangelizar o norte de África, mas que na viagem a enfermidade e uma tempestade o conduziu costas sicilianas e dali a Assis, onde contactou com Francisco, que admirou a sua espiritualidade e eloquência e o enviou a anunciar o evangelho nas terras italianas, elaborando o projeto de o tornar continuador da sua obra. Foi em Pádua que aos 36 anos (1195-2031) terminou a sua vida terrena, com profunda admiração daquelas gentes pela sua espiritualidade eeloquência, que logo iniciaram a sua veneração, tendo sido beatificado logo em 1232.
Por sua vez, os mártires de Marrocos foram canonizados pelo Papa Sisto IV, em 1481.
A reconstituição destes acontecimentos, a exemplo de outros eventos ali igualmente ali realizados e de que temos dado constância nestas páginas, foi levada a efeito pelo grupo “Décadas de Sonho”, de S. João de ver (Santa Maria da Feira), dedicada à organização de atividades de carácter turístico e cultural, sob a direção de Paulo Santos.
O espetáculo foi construído a partir de um enquadramento histórico muito bem elaborado e cuidado, numa encenação construída sob a forma de diálogo entre apresentadores, que introduziam os acontecimentos, os quais depois eram encenados pelos seus atores.
O conjunto da apresentação teve quatro momentos: o julgamento dos franciscanos e a sua condenação pelo sultão, com reconstituição dos espaços e enquadramentos (palácio, danças, soldados, algozes); a ligação narrativa à história de Santo António; a reconstituição das lutas entre o Rei Sancho II, tido como legítimo, mas contestado por uma fação da nobreza em torno da figura do seu irmão mais novo, Afonso III, e declarado pelo Papa como monarca inábil. É precisamente a luta entre a fação fiel a Sancho II e a fação defensora do Afonso III, uma espécie de guerra civil que conduz à batalha entre ambos que origina a morte de Rodrigo Sanches que, em nome do povo, assumiu a defesa do novo rei, invocando o interesse das gentes lacais e o interesse nacional, uma vez que estava instalada a fome a pilhagem naquele território em torno do Mosteiro, que tinha alcançado grande notoriedade na região. Assassinado pela fação regalista, foi assumido como herói, tendo depois sido construído o túmulo por iniciativa do Mosteiro de Santa Cruz e Coimbra.
Todo este universo foi acompanhado por momentos de expressão dramática, através de danças que assinalavam e comentavam os acontecimentos pela construção de figuras simbólicas, exaltando a personalidade de Afonso Sanches.
Uma terceira parte da encenação foi constituída por uma elaboração cénica em que o movimento dos artistas, dançarinos e dançarinas, em construção de mensagem, foi comentado por uma elaboração de diálogos de luz, originando um fogo de artifício, e por uma expressão musical rica de sugestões harmónicas e tímbricas, que concluiu com uma saudação do Mosteiro de Grijó, ali assumido como uma personificação das terras e das gentes, da sua história e da sua fé. Foram lembradas as etapas da sua construção, desde a primeira “igrejinha” (ecclesiola, donde deriva o noma Grijó), até à amplificação medieval e ao atual edifício, iniciado no século XVI e ampliado nos séculos seguintes até à beleza e imponência de hoje.
No final, a pároco, Cónego António Coelho de Oliveira, felicitou or artistas e os presentes (muitas centenas de pessoas), agradeceu a colaboração da Câmara Municipal da Vila Nova de Gaia, da Junta de Freguesia de Grijó e Sermonde, felicitando a organização deste espetáculo, memória história e recriação artística. Lembrou também a exposição dos artistas de Gaia, que continua patente nos espaços do mosteiro, este ano sob o tema SYNODUS,Sinodalidade, inserida na preparação do próximo Sínodo dos Bispos e da preparação das comunidades cristãs para a participação nele.
O representante da Câmara Municipal, elogiando a ação do pároco, na união que promove entre a celebração da fé, o apoio social pelo acolhimento e a atenção dada aos valores culturais da população, lembrou o sentido da colaboração dada pela autarquia, visando contribuir, não apenas para o património material, mas para o património humano e os valores culturais das populações.