
Por João Alves Dias
Esta afirmação paradoxal que ouvi numa entrevista a uma historiadora russa (Antena I – 29/5/2022) fez-me lembrar dois textos que agora proponho à reflexão.
O primeiro, sob o título” Em louvor da paz”, é o “sermão 357” de Santo Agostinho (354 – 430) que me foi enviado pelo Secretariado da Pastoral da Cultura.
Louvor da paz
“Agora é o tempo de vos exortar a amar a paz com toda a força que o Senhor vos dá e a rezar ao Senhor pela paz. Aqueles que amam verdadeiramente a paz também amam os inimigos da paz. Que coisa boa é amar! Amar já é possuir. Aí está onde tu estás: basta que ames a paz, e ela está contigo. A paz é um bem do coração.”
Comunicar a paz com paz
“Cultivai a paz entre vós. Se quiseres atrair outros para a paz, deves tê-la em primeiro lugar; sê tu, antes de mais, inabalável na paz. A fim de acender outros nela, vós próprios deveis ter uma luz dentro de vós mesmos. Tu, amigo da paz, reflete, e saboreia, primeiro, o encantamento da tua amada. Ergue-te em amor, para que possas atrair outros para o mesmo amor, para que eles possam ver o que vês, amar o que amas, possuir o que possuis.”
Remédio da oração
“Foi decretado que os cristãos devem viver em paz. Longe de nós a discórdia. És um amigo da paz? Fica interiormente sereno com a tua amada. Mas não digas: ‘Então não há nada a fazer!’. É claro que há muito a fazer: eliminar as disputas. Deita mão da oração; em vez de repelires o insulto com insulto, reza por aquele que o faz. Gostarias de retorquir, de falar como ele, contra ele. Em vez disso, fala a Deus sobre ele. Com o Senhor, oração fervorosa, com os irmãos, caridade.”
O segundo, sob o título “A Paz é o fruto da Justiça”, é a Declaração da reunião dos Secretários Gerais de Justiça e Paz da Europa – (15/5/2022), na Hungria.
Há princípios inegociáveis
“A 24 de fevereiro de 2022 o governo russo iniciou uma invasão, brutal e não declarada, da Ucrânia. Embora a diplomacia continue a ser essencial, nós, como Comissões de Justiça e Paz, reafirmamos, no contexto dos nossos valores e convicções cristãs, que alguns princípios não são negociáveis, em particular o respeito pela dignidade de cada ser humano, os direitos humanos universais e indivisíveis e o imperativo da não-agressão, que é a base da coexistência pacífica.”
A doutrina social católica sobre a paz defende explicitamente o direito individual e coletivo à autodefesa consagrado no direito internacional.”
Os meios militares não são fontes de paz
“No entanto, como Comissões de Justiça e Paz, é nossa tarefa acompanhar estes desenvolvimentos com discernimento. Queremos salientar que os meios militares, por si só, não podem trazer uma paz duradoura. Além disso, acarretam grandes riscos de escalada. É, portanto, essencial evitar a retórica da guerra e manter os esforços diplomáticos através de vários canais e multilaterais.”
Ação dos cristãos
“Onde os povos e a paz são ameaçados pela agressão e pela guerra, as Igrejas e os seus representantes atuarão mais estreitamente em conjunto e com outras comunidades religiosas em prol da justiça e da paz no mundo;
A extraordinária força das orações ecuménicas pela paz continuará a ser um raio de luz num mundo dilacerado pela guerra.”
Nestes dois textos, distantes no tempo e nas circunstâncias, ecoam as mesmas palavras do Mestre: “Felizes os que fazem a paz (Mt 5,9)”.
Construir a paz no nosso dia-a-dia e denunciar a guerra é ajudar a construir o Reino de que S. Paulo fala na Epístola aos Romanos (14,17-19).
“Aqueles que amam verdadeiramente a paz também amam os inimigos da paz”- é fácil dizer-se mas de prática bem difícil, especialmente quando nos aparece o rosto de quem é o culpado duma guerra que o papa Francisco, segundo um comunicado da Santa Sé, do passado dia 30, condenou como ”moralmente injusta, inaceitável, bárbara, sem sentido, repugnante e sacrílega”.