O Cinema visto pela Teologia (35): o filme “Crepúsculo”

Uma leitura do filme “Crepúsculo*

​​Por Alexandre Freire Duarte

Tenho dito que os grandes filmes são aqueles que nos cingem e põem a pensar. Não retiro um i a isso, mas a verdade é que Crepúsculo exagera faustosamente nisso. Talvez esse seja o fito, surreal e politicamente contestatário, do seu realizador. Mas, embora o normal nas nossas vidas seja não sabermos como concluem as histórias de quem, por acaso, se cruza connosco, quiçá aquele exagero faça com que este filme possa acabar por soar a um sonho azedo, indistinto e frouxo.

Não me interpretem mal: a obra é, a diversos títulos, esplêndida. E é-o, por exemplo, a nível: da sua lentidão contemplativa, suscitadora de pulsantes sentimentos opostos de descontração e agitação, em especial face à personagem principal (desenhada notavelmente por um complexamente opaco, reptiliano e quase afásico Tim Roth); do cortante romper de expectativas, que nos coloca perdidos numas escadas rolantes sem fim à vista; das imagens estáticas e psicologicamente obsessivas dos interiores e exteriores, que nos levam a querer uma impossível intimidade com aquela personagem, para acoplarmos as suas decisões a palavras devastadoramente inexistentes.

Não sei o que a teologia pode dizer desta obra, pois nem eu sei o que, como teólogo, penso dela. Claro que se trata de um filme sobre a nossa natureza humana ferida pelo desamor, e, ao mesmo tempo, crescentemente insolar por causa da ausência da comunicação do que nos faz mais humanos. Claro que põe, não um dedo, mas uma série deles e cheios de sal, nas feridas da nossa apetência por sentenciarmos os demais sem conhecermos os seus corações. Claro que nos puxa para uma área moral incolor em que podemos sentir que a objetividade firme da mensagem cristã pode estar a desmoronar-se ante caminhos mais fáceis.

Mas será só isso? Não o creio. Mas estou muito hesitante acerca de saber se o que vou dizer se adequa ao que vi. Sim: somos todos egoístas e raramente saímos da mediocridade espiritual que nos chupa para a cobardia e o receio da liberdade vivida no amor. Sim: censuramos frequentemente quem não gosta da mesma música do que nós, mas é provável que, bem lá no fundo, gostássemos de ouvir as suas músicas, nem que fosse uns instantes e só para arranharmos as suas vidas. Não mostrará isto que de cristãos temos muito pouco, senão apenas um imerecido nome?

Se o mostrar, mostrá-lo-á porque temos medo de morrermos devendo tempo a tantas e tantas pessoas a quem o recusámos, seja por: oportunismo mascarado de precaução; mutismo escondido por um aparente silêncio compassivo e sábio; grandeza estulta ocultadora do facto que já estamos mortos por não amarmos e não aceitarmos viver, para sempre, com as consequências monótonas disso.

Nada nos serve para nada se não adicionar Vida à nossa vida; se não acolhermos, com ternura acolhedora, a Deus nas nossas mãos para O abrigarmos; se não promovermos aqueles, pobres na riqueza ou na pobreza, a quem a vida arranhou, arrastou e arremessou; se, enfim e como acontece às vezes neste filme, não vivermos sabendo que Deus não é uma explicação, mas uma Relação.

(* França, México, Suécia, 2021; dirigido por Michel Franco, com Tim Roth, Charlotte Gainsbourg, Iazua Larios)