
Uma leitura do filme “Elvis” *
Por Alexandre Freire Duarte
Não conheço nem a vida, nem a obra de Elvis Presley para saber o quão fiel às mesmas é este filme, carregado da linguagem estética do plasticinoso e espalhafatoso Lurhman. Mas, independentemente disso, é evidente que este filme não nos permite chegar ao homem que esteve por detrás: do mito justo, do mistério injusto, da grandiosidade aparente e da decrepitude evidente.
Elvis é um carrocel elétrico com momentos cinematográficos brilhantes, tais como os grandes planos e os enquadramentos próximos que simulam, quase na perfeição, o estar-se num espetáculo daquele grande músico. O desempenho do ator que o personifica é extraordinário, seja em si mesmo, seja na complexa relação com o papel do, claramente fora da sua zona de conforto, grande Tom Hanks. Mas também isto é um artifício, que simplifica imenso a história de alguém que esta obra deixa deslumbrar ter sido bem maior do que ela mesma consegue apresentar.
Desde a Teologia, este filme é um triste recordar que mesmo uma boa pessoa, cheia de valores edificantes e uma sólida boa-vontade no Espírito pode ver a sua vida descarrilar estrondosamente. E isto devido, seja às más influências de quem, por vezes, até se apresenta como um apoio, seja às ambições ocultas que tantas vezes nos fazem mover e, mais grave ainda, gerir os dons que (respondendo a necessidades, mas não a curiosidades) Deus nos dá apenas para o bem dos demais.
Uma tal pessoa, mesmo quando no seu mais íntimo está cheia de amor pelo que é verdadeiro, pode perder-se se, tais forças exteriores e interiores, a levarem a perder de vista que existimos, não para nossa grandeza, mas para uma glória de Deus que é vida em verdade dos que connosco se cruzam. Sim, Elvis recorda ostensivamente que a corrupção do ótimo é o péssimo. E que triste que é ver isso ocorrer diante de nós até que Elvis chegue a ser uma mera caricatura de si mesmo, mesmo no meio das enfatuações visuais e abordagens indiretas do filme.
Não me levem a mal se disser que nenhum de nós está isento de poder ver a sua vida desmoronar-se se, ao contrário de que Deus fez, não nos fizermos deveras humanos na humildada franca para nutrirmos os demais com a nossa humanidade. Para, perdendo o medo à água de Deus a dar-nos o Seu amor, pormos de lado o medo de a perdermos, de modo a que Ele irrigue a existência seca de tantos extraviados que nos envolvem. E envolvem com aquelas irregulares regularidades e regularidades irregulares que nos desinstalam e descolam do nosso ego e, evitando a espiritualidade dos “ramos de noivas”, nos enraízam em Cristo Jesus e neles.
Talvez seja por isto que algo mais merece ser vincado acerca desta obra. Ela não é, claramente, inspirada pelo Cristianismo, por mais que o Elvis que conheço, daqui e dali e também de Elvis, tenha sido alguém a seu tempo seriamente cristão. Todavia, é precisamente nas ocasiões em que Luhrmann deixa essa realidade aflorar, que vemos que a pessoa central do filme toca a felicidade mais genuína no amor: a sua, a da sua família e a dos que desejou encantar com a sua música.
(* EUA, 2022; dirigido por Baz Luhrmann, com Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge e Richard Roxburgh)