Formação: prioridade perene da Igreja

Foto: Rui Saraiva

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Desiderio desideravi (“Desejei ardentemente”): esta Carta Pastoral que o Papa dirigiu a toda a Igreja (bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e fiéis leigos), no passado dia 29 de junho, tem um tema destacado no título: a formação litúrgica do Povo de Deus. Este é o «assunto» sobre o qual o documento se concentra a partir do n. 27.

É oportuno recordar que o II Concílio do Vaticano, no seu primeiro documento, justamente consagrado à Liturgia – Sacrosanctum Concilium –, tinha sublinhado que o grande desiderato da participação litúrgica – «a primeira e necessária fonte onde os fiéis hão‑de beber o espírito genuinamente cristão» (SC 14) –, pressupunha uma aposta decidida na «formação»/«educação» litúrgica dos fiéis, a começar pelos ministros ordenados. Só depois de se debruçar sobre essa prioridade (SC 14-20) é que a Constituição sobre a Sagrada Liturgia decretou a conveniência de proceder a uma reforma litúrgica e formulou normas orientadoras para tal.

Já em 1956, na sua obra principal sobre O sentido teológico da Liturgia, Cipriano Vagaggini tinha precavido: «A liturgia, mesmo na hipótese de uma celebração concreta em língua vulgar e de uma adaptação revolucionária e inaudita o mais completo possível na sua parte mutável segundo o estilo de expressão hoje em uso pelo povo, comportará sempre uma parte grandíssima e substancial que não é acessível ao povo a não ser mediante uma elevação fundamental desse mesmo povo; realizar esta elevação será sempre a tarefa essencial e mais urgente da pastoral litúrgica» (Trad. Esp.: BAC 181, p. 799).

Ainda no decorrer do Concílio, a instrução Inter Oecumenici (26/09/1964) alertava: «É necessário que todos se convençam, antes de mais, de que o objetivo da constituição litúrgica não é principalmente mudar os ritos e textos litúrgicos, mas, sobretudo, suscitar uma formação dos fiéis e promover uma ação pastoral que tenha a sagrada liturgia como cume e fonte…» (n. 5). Não obstante tais alertas, e compreensivelmente, as mudanças operadas nos anos seguintes, que deram uma renovada configuração à «lex orandi» do Rito Romano, absorveram quase todas as energias e alimentou-se, porventura, a ilusão de que as finalidades visadas pelo Concílio seriam automaticamente asseguradas com tais alterações ao nível da «forma». Cedo, porém, o desencanto veio substituir esse otimismo ingénuo.

Na comemoração do 25º aniversário da SC, São João Paulo II dissipou essa ilusão: a «reforma» foi um processo que teve a sua hora; a «renovação» – que supõe e urge a formação – é exigência perene. Bem sabemos que «ecclesia semper reformanda» e que esta urgência de conversão e mudança poderá, no futuro como no passado, justificar e postular reformulações pontuais ou gerais da «lex orandi». De facto, a par de elementos imutáveis, a Liturgia consta de «partes sujeitas a mudança as quais, no decorrer dos tempos,  podem e até devem variar se porventura nelas se tiverem introduzido elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da Liturgia, ou que se tenham tornado menos aptos» (SC 21). Mas a «lex orandi», indissociável da «lex credendi» e da «lex vivendi», precisamente porque tutela o bem comum mais precioso da Igreja, não pode estar em processo permanente de mudança. Requer acatamento, assimilação, aprofundamento e, portanto, estabilidade. O Papa Francisco, ao recordar à Igreja a validade da reforma litúrgica decretada em Concílio e realizada «cum Petro e sub Petro», convida-nos a essa atitude e diz-nos que a nossa hora já não é a da «reforma» mas sim a da «formação». Uma hora tanto ou mais importante do que o foi a da reforma.

Formação litúrgica, portanto, é a palavra de ordem da atualidade eclesial. Ou, alargando a perspetiva, «formação» a todos os níveis. Os nossos bispos publicaram recentemente uma instrução pastoral a que a opinião pública eclesial não prestou a devida atenção: «Ministérios laicais para uma Igreja ministerial» (22 de junho de 2022). Trata-se de percorrer um caminho de renovação também desbloqueado pelo Papa Francisco. Desejávamos ter já abordado este importante documento em VP, mas sobreveio a Carta Apostólica de Francisco, merecedora de precedência. Entretanto, o Documento da CEP não propõe uma moda passageira, mas antes convida a percorrer um caminho estrutural e estruturante para a vida da nossa Igreja. Por isso, a seu tempo nos debruçaremos sobre ele. Desde já, porém, sublinhamos que a Instrução dos nossos Bispos é, também e de forma determinada, um documento sobre a formação necessária e indispensável dos futuros leitores, acólitos e catequistas instituídos. E, de passagem, recomendamos para a Diocese do Porto uma aposta determinada na Escola Diocesana de Ministérios Litúrgicos e noutras propostas formativas do nosso precioso Centro de Cultura Católica. Nesta hora de urgências e discernimento, seria imperdoável que esta pioneira e resiliente oferta de formação viesse a extinguir-se por falta de procura.