Canadá: Papa desafia Igreja a enfrentar «fracassos» do passado e iniciar caminho de reconciliação

O Papa presidiu hoje a uma Missa pela reconciliação, no Quebeque, com participação especial de comunidades indígenas, desafiando a Igreja Católica a “sarar as feridas do passado” e iniciar um caminho que leve “do fracasso à esperança”, por uma sociedade mais justa e fraterna.

“Permiti que vos acompanhe, como Igreja nestas interrogações, que brotam dum coração cheio de pesar: Porque é que aconteceu tudo isto? Como pôde isto acontecer na comunidade daqueles que seguem Jesus?”, declarou, na homilia da Missa a que presidiu no Santuário de Santa Ana de Beaupré.

“São também os interrogativos ardentes que esta Igreja peregrina no Canadá faz ressoar no seu coração num árduo caminho de cura e reconciliação. Também nós, perante o escândalo do mal e o Corpo de Cristo ferido na carne dos nossos irmãos indígenas, caímos na amargura e sentimos o peso do fracasso”, acrescentou.

Estima-se que 150 mil crianças indígenas tenham sido forçadas a frequentar escolas residenciais, um sistema de orfanato promovido pelo Governo, para a “assimilação” cultural destas populações; mais de 60% destas escolas foram administradas pela Igreja Católica.

Francisco sublinhou aos participantes na Eucaristia que “não há nada pior, perante os fracassos da vida, do que fugir para não os enfrentar”, destacando a importância de promover a reconciliação.

“Reconciliados com Deus, com os outros e connosco, podemos, também nós, tornar-nos instrumentos de reconciliação e de paz na sociedade em que vivemos”, apontou.

“Quando, atónitos, experimentamos a violência do mal e a vergonha da culpa, quando o rio da nossa vida seca no pecado e no fracasso, quando, despojados de tudo, nos parece não ter mais nada, precisamente então é que o Senhor vem ao nosso encontro e caminha connosco”.

O Papa elogiou o exemplo de todos os que, ao longo da história, “não se deixaram cair reféns do ódio, da guerra, da destruição e do sofrimento”.

“Com fé, partamos juntos o Pão Eucarístico para que, ao redor desta Mesa, possamos redescobrir-nos filhos amados do Pai, chamados a ser todos irmãos”, apelou aos participantes.

Os organizadores estimam a presença de cerca de 10 mil pessoas, dentro e fora da basílica; 70% dos lugares foram reservados para representantes das comunidades indígenas.

A última vez que o Santuário – um dos locais de peregrinação mais antigos e populares da América do Norte, que atrai mais de um milhão de pessoas por ano – recebeu a visita de um Papa foi em 1984, aquando da primeira viagem de São João Paulo II, que esteve três vezes no Canadá.

Francisco evocou as figuras de Santa Ana e da Virgem Maria para sublinhar “o papel que Deus quis dar à mulher no seu plano de salvação”.

“A ternura materna de tantas mulheres pode acompanhar-nos – como Igreja – rumo a tempos novamente fecundos, deixando para trás tanta esterilidade e tanta morte, e no centro colocar de novo Jesus, o Crucificado Ressuscitado.

“Só há uma estrada, um único caminho: é o caminho de Jesus, é o caminho que é Jesus. Acreditemos que Jesus se vem juntar ao nosso caminho e deixemo-nos encontrar por Ele; deixemos que seja a sua Palavra a interpretar a história que vivemos, como indivíduos e como comunidades, e a indicar-nos o caminho para nos curarmos e reconciliarmos”.

Durante a Missa, em francês e latim, os participantes rezaram pelas populações autóctones, para que “as palavras e gestos de reconciliação abram caminho a um futuro cheio de esperança”.

A celebração ficou marcada por um momento de protesto, no início da Eucaristia, quando dois manifestantes seguraram uma faixa pedindo o fim da” Doutrina da Descoberta”.

A questão liga-se a documentos papais, do séc. XV, utilizados para justificar a apropriação de territórios indígenas, por parte das potências europeias; o conceito chegou a ser aplicado nos processos entre os novos Estados da federação americana e os povos nativos.

O Vaticano recorda a Bula Sublimis Deus, de Paulo III, de 1537: “Definimos e declaramos que os mencionados índios e todos os outros povos que posteriormente venham a ser descobertos pelos cristãos, de modo algum devem ser privados de sua liberdade e posse dos seus bens”.

A viagem do Papa, entre 24 e 30 de julho, passa pelas cidades de Edmonton, Quebeque e Iqaluit – que abriga o maior número de Inuítes, junto ao Ártico.

(inf: Agência Ecclesia)