De São Bento a São Tiago, ou vice-versa  

Por M. Correia Fernandes

São duas figuras que merecem referência litúrgica como Festa no mês de julho. São dois santos que estiveram na origem do universo cristão: um da Igreja inicial, outro da sociedade europeia nascida do Império Romano, mas social e politicamente transformada ao longo dos primeiros séculos, particularmente e partir da chamadas “invasões bárbaras”. Ambos, Tiago e Bento (ou Benedito, como se diz em todas as línguas menos na portuguesa) se encontram na raiz de uma Europa de matriz cristã, pela sua ação e pela sua influência.

Como o mês de junho mereceu a presença do Corpo de Deus, de São João Batista e S. Pedro e S. Paulo e do Coração de Jesus como solenidades, e de Santo António como festa, o mês de julho merece a presença de São Bento e São Tiago como Festas.

É neste sentido que recuperamos hoje um texto de Geraldo Coelho Dias sobre a figura de São Bento, e deixaremos para a próxima edição a referência a S. Tiago.

Dia 11 de julho é festa de S. Bento, Padroeiro da Europa. Nestes tempos de crise generalizada talvez valha a pena recordar a vida e ação deste homem, romano do século VI, natural de Núrsia, na Úmbria, que viveu em tempo de crise aflitiva para a Europa. Então era os bárbaros destruidores, que invadiam o Ocidente Europeu e provocavam a queda do Império Romano. Por toda a parte se levantava o medo, desapareciam os valores humanos e cristãos, faltavam homens de têmpera verdadeiramente religiosa que, com os olhos em Deus e no serviço fraterno ajudassem à salvação da civilização cristã e humanista, que começara a construir-se.

Houve então um homem, Bento em graça e nome (480-547), que de facto se entregou a uma vida de valorização humana e espiritual, e foi ele que, de alguma maneira conseguiu construir um dique de defesa moral. Através da sua Regra, a Regra Beneditina, e dos seus monges, a Europa iria reflorescer e dar força à civilização cristã ocidental.

Curiosamente, no dia 1 de abril de 2005, o Cardeal José Ratzinger, em nome do Papa João Paulo II, foi a Subiaco, onde S. Bento inicialmente, como  monge, se refugiara, proferir uma conferência sobre “A Europa na crise das culturas”. No dia seguinte o Papa morreu e, poucos dias depois, Ratzinger ere eleito papa. Escolheu o nome de Bento XVI, e todo o mundo ficou boquiaberto com a escolhe de tal nome. O novo papa, porém, vira na sua ida a Subiaco uma espécie de prenúncio, de que S. Bento fora como que o profeta. Na verdade Ratzinger tinha afirmado: “Temos necessidade de homens como Bento de Núrsia, que, numa época de dissipação e decadência, se embrenhou na solidão mais extrema, conseguindo, depois de todas as purificações que teve de suportar, voltar à luz, regressar a Monte Cassino e fundar a cidade sobre o monte que, a partir de tantas ruinas, juntou as forças das quais surgiu um mundo novo. Bento, como Abraão, tornou-se assim pai de muitos povos”.

Na realidade, através de muitos mosteiros na Europa, cidadelas do espírito e da cultura, pela ação dos sues monges, armados com o tríplice arnês do Livro, da Cruz e do Arado, Bento tornou-se premonitoriamente o construtor da nova Europa dos valores e do progresso da humanidade cristã: fé em Deus, serviço fraterno ajuda aos mais fracos, desenvolvimento das terras, estudo e cultura.

Em Portugal, só entre Douro e Minho, de 1567 a 1834 houve 17 mosteiros beneditinos, hoje quase todos subsistentes com paróquias e freguesias; mas antes, havia mais.

Recordar pois este santo, Padroeiro da Europa, proclamado em 1964 por Paulo VI, significa hoje, encontrar um arrimo para combater o pessimismo, uma força moral e um estímulo para, cristãmente, cultivar os valores que pregou e vencer a crise, que nos desgasta e entristece”.

Nesta memória de São Bento, apresentamos a escultura a ele dedicada, que se encontra no grandioso retábulo  barroco da igreja catedral do Porto, onde faz conjunto com São Bernardo, que continuou mais tarde a sua obra (séc. XII). A inscrição nela contida, que poucos leem, diz:

Bendito és Senhor meu Deus que ma auxiliaste e me consolaste. Senhor, segundo a tua palavra, para que viva e não seja confundido.

O texto que transcrevemos é uma homenagem ao monge beneditino, antigo Dom Abade de Singeverga  e Professor da Faculdade de Letras do Porto, Geraldo Coelho Dias.

Lembramos que a  Regra de São Bento constitui um dos mais importantes regulamentos de toda a vida monástica ao longo dos séculos, e lembramos também a sua irmã gémea Santa Escolástica.

No próximo número lembraremos por ocasião do Dia de S. Tiago, lembrando  que o Cardeal  D. António Marto será Legado Pontifício para a Peregrinação Europeia de Jovens (PEJ) 2022, entre 3 e 7 de agosto, em Santiago de Compostela, neste difícil contexto mundial.