O Cinema visto pela Teologia (32): o filme “Operação Secreta”

Uma leitura do filme “Operação Secreta*​​

Por Alexandre Freire Duarte

Apesar de o ter visto em casa de amigos há já quase meio ano, rever, no grande ecrã, “Operação Secreta” não seria algo que me desgostaria. Apesar de brilhante, não será uma obra-prima, mas, até por isso, deixa-nos ver, com grande detalhe (só maculado por algumas curvas e contracurvas desnecessárias para apelar a um público mais heterogéneo), as minúcias ínfimas, e quase absurdas, de um dos mais curiosos episódios da Segunda Grande Guerra Mundial.

Sim: trata-se de um filme sobre tal Guerra, mas dando atenção ao facto de que as batalhas são ganhas ou perdidas antes de decorrerem. A saber: nas catacumbas mentais onde decorre o embate entre inteligências práticas e criativas postas ao serviço de: engenhosos preparativos estratégicos, segredos, embustes e articulações delicadas só reconhecíveis por quem tem uma, forçosamente parcial, visão do todo.

A violência, assim, é quase inexistente; o ambiente de época (quer nos cenários exteriores, quer nos interiores) é fielmente recreado; as personagens, cheias de classe, carisma e robustez, encaixam-se tão bem que não há nenhuma que possa ser tida como a “principal”; os géneros – deste o bélico, ao romântico, passando pelo de espionagem (dominante) – entrecruzam-se admiravelmente; a história (retratando factos verdadeiros) é sólida nas suas diveras camadas intrincadas e os pormenores enérgicos e humorísticos dão vida a tudo.

Teologicamente falando, atrever-me-ia a dizer que “Operação Secreta” pode ser entendida como uma sombria reflexão sobre a verdade e até onde se pode ir no distorcer da mesma tendo em vista um objetivo humanista e valioso (num conflito bélico): a derrota militar de um ímpio agressor. Tal como é frequente dizer-se que sempre ocorre a quem se entrega a mentiras, esse distorcer acarreta: tensões pessoais e profissionais; invejas e ciúmes; desconfianças e mentiras; crises afetivas que buscam apoios da mesma natureza; rumores assassinos e banimentos maldosos.

No meio disto tudo, diversas personagens, tão distintas entre si que parecem gotas de líquidos diferenciados a caírem ao mesmo tempo, dispõem-se, cada uma à sua maneira, a sacrificarem (quer o que mais poderiam amar, quer a imagem que de si cultivaram diante dos demais) e sacrificarem-se em prol de uma felicidade maior para os demais – mesmo os de si desconhecidos. Não admira, pois, que a oração surja nesta obra num momento capital da mesma; aquele em que tudo se irá definir.

Mesmo no meio do cenário da Segunda Grande Guerra, o filme mostra, com respeito e seriedade, diversos momentos em que nos recordamos daquela verdade lapalissiana: ninguém é ateu numa casca de noz no meio de um mar tormentoso. Assim, diversos comportamentos especificamente crentes acompanham aquela antedita oração, os quais não eliminam, antes consubstanciam em Deus, o heroísmo discreto, a coragem oculta e a honra indómita daqueles a que as circunstâncias fizeram mais humildes, vulneráveis e solitários. E isto, pois não cegos (face a si) e ocultadores (face aos outros) dos seus sonhos, prazeres e desejos humaníssimos.

(* Reino Unido, EUA, 2021; dirigido por John Madden, com Colin Firth, Matthew Macfadyen, Kelly Macdonald, Jason Isaacs)