
Por João Alves Dias
Era assim que meu pai qualificava quem, ao discursar, apresentava ideias que nos enriqueciam e provocavam reflexão. Lembrei-me desta expressão ao ler a longa entrevista que o cardeal Jean-Claude Hollerich deu ao Diário do Minho. Merece uma leitura integral (cf. 7Margens, 17/6/2022). Aqui, limitei-me a adequar as perguntas às falas que respiguei.
P– O Papa Francisco nomeou-o ‘Relator-Geral do Sínodo’. Qual a sua função?
R– “Eu estou lá para ouvir o santo povo de Deus. Até nas comissões que temos… (…) A minha missão é ouvir as pessoas.”
P– Considera importante esta fase diocesana do Sínodo?
R– “Eu acho que é muito importante. É baseada no Concílio Vaticano II, e o Papa quer mesmo implementar esse Concílio, que diz muito sobre colegialidade – complementando o Concílio Vaticano I, que foi sobre o primado do Papa. (…) Agora temos que pensar que o primado do Santo Padre e a colegialidade dos bispos têm que ser exercidos dentro do quadro da sinodalidade.”
P– Qual a atitude da Igreja face à nova era civilizacional?
R–“ Como bispo, algumas vezes, caímos na tentação de estarmos apenas rodeados de conselheiros, que repetem sempre as mesmas coisas. E fica-se longe da realidade. (…) Seria um perigo considerar a nova civilização que está a nascer como uma inimiga do cristianismo. Deus está presente na nova era que está a chegar, e temos que O encontrar. Mas isso não é algo que um bispo possa fazer na sua pequena capela, é algo que o povo de Deus vive.”
P– Uma Igreja minoritária tornar-se-á irrelevante?
R- “Jesus nunca disse que devemos ser a maioria, influenciar a política e por aí adiante. Mas tem que ser uma minoria viva, cheia de vida e de esperança. Ainda temos uma Igreja de serviços, onde se recebem os sacramentos como um serviço, depois de fazer determinadas coisas pré-definidas. (…) Mas temos que mudar. Se eu participasse na maratona, eu teria que perder algum peso, e talvez a Igreja tenha que perder algum peso para estar novamente em forma.”
P– Como fazer a ponte?
R– “Jesus não era o inimigo de ninguém, e nós por vezes consideramos que temos inimigos. Se eu ouvir o discurso dentro da Igreja, muitos grupos de políticos são considerados inimigos. Se temos os olhos da fé, temos que ver pessoas que foram criadas por Deus, que são amadas por Deus, que não partilham as nossas crenças. Mas são amadas por Deus na mesma. E a nossa atitude tem que expressar esse amor de Deus. (…) Um exercício a fazer durante este Sínodo é ter as pessoas nas margens a expressar as opiniões delas.”
P– Mas nós temos de ser ‘militantes’ da fé?
R– “Não acho que estejamos cá para defender a fé da Igreja. Estamos cá para proclamar Cristo e o Evangelho. Essa é a nossa primeira tarefa. (…) Nós temos uma visão dinâmica do cristianismo, não uma visão estática. O povo de Deus está a caminhar pela vida e Cristo é o centro. ”
P– E a problemática da sexualidade na Igreja?
R– “Temos que ter uma atitude muito positiva em relação à sexualidade. Às vezes somos tão rigorosos que as pessoas têm que se esconder se não seguirem totalmente os ensinamentos da Igreja. Penso que devemos ser uma Igreja que as pessoas têm necessidades sexuais, que podem falar sobre isso, que não são condenadas, e que a Igreja está presente para as ajudar. (…) Nos seminários, temos que falar da sexualidade.”
P– A sinodalidade é um caminho para a inclusão?
R– “Sim, mas precisa de ser uma sinodalidade de fé. (…) Se formos mesmo comunidade, conseguimos sentir a dor das pessoas. Por exemplo, as pessoas que são divorciadas re-casadas não o fazem apenas porque sim, mas sofrem. Durante este processo sinodal, ouvi um testemunho sobre estas pessoas, cujo sofrimento foi aumentado pela Igreja e a sua atitude. A Igreja não as ajudou, piorou o problema, o que não é bom. Temos que considerar sempre que Deus ama estas pessoas. Espero mesmo que a misericórdia, como o Papa diz, prevaleça sempre sobre mecanismos de exclusão.”