Família, escola, sociedade: uma colaboração criativa

Por M. Correia Fernandes

As relações edificantes entre estas três dimensões da condição humana são naturais e devem ser colaborantes, quer pela sua natureza quer por constituição positiva e por orientação normativa. Isso implica descobrir e definir qual o papel próprio e específico de cada uma delas e quais as formas de interação e de colaboração.

Em 1995 escrevemos na revista Educar: “Defendemos uma escola criadora e transformadora do saber, moderna e dialogante, capaz de agarrar os dinamismos humanos e de ler as transformações. Que seja humanamente acolhedora, aberta ao meio social e cultural, possuidora e fomentadora do espírito de iniciativa e de imaginação criadora. Não podemos aceitar uma escola populista, burocrática, de tipo fundamentalista-social, mas realmente pseudo-social e pseudo-autónoma em que o diálogo pedagógico acaba por ser substituído pela discussão repetitiva e estéril”.

São claramente princípios gerais que esbarram com conceitos e políticas de controlo e domínio social por parte do Estado, das ideologias partidárias e de alguns conceitos atuais da chamada “liberdade de escolha” por parte das famílias e dos indivíduos.

Em tempos foi defendida por pessoas que se debruçaram a fundo sobre a psicologia, a sociologia, a ética, o equilíbrio da sociedade, o papel da formação intelectual associada a todo o universo da pessoa, em equilíbrio fundamentado  e dinâmico, a criação de uma disciplina de formação pessoal e social. O projeto e as propostas para a sua criação esbarraram em teorias que deram prioridade à “formação cívica”, à “educação sexual” (como se estas não fossem dimensões da pessoa), e modernamente a uma disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” e outras formulações que acentuam aspectos parcelares do que deveria tornar-se uma formação integral da pessoa.

Também em 1994, Joaquim Azevedo, na obra “Avenidas da Liberdade: reflexões sobre política educativa”,  escrevia que “As escolas são ambientes de humanidade… A beleza das escolas está antes de mais nas pessoas, no seu crescer e desabrochar, no abrir-se e revelar-se aos outros, no encontro de cada um com as suas possibilidades e limitações”.

Infelizmente, parece que as escolas se têm vindo a tornar espaços de estruturação burocrática  de fórmulas e processos, em vez da valorização do saber e do desenvolvimento das crianças e jovens e do equilíbrio da personalidade de cada um. E da luz iluminadora da verdade e da ética.

Isto resulta de uma constatação: os responsáveis de um Ministério tão complexo como o da Educação tem vindo a ser entregue a pessoas doutas nos domínios organizativos, e menos a personalidades firmadas e formadas dos domínios da estruturação cultural e do pensamento e práticas do integral saber humano. Importa que se perfilem no sistema personalidades dos mais aperfeiçoados domínios do pensamento e da Filosofia humana e social. E de uma ação fundada e com continuidade, não de um constante descarte de intenções e projetos.

Estas reflexões foram sugeridas pelo facto relatado nos último dias de um Tribunal entender que alguns alunos fossem retirados ao poder paternal no tempo da sua permanência na escola e ficassem sob o domínio desta para  poderem ser avaliados na disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento, com cujos conteúdos programátricos os pais não concordavam, por questões ideológicas e políticas. Importa lembrar o princípio de Comenius (1592-1670), postulando que todos deviam aprender tudo e de todas as maneiras e de forma contínua, ao longo da vida (coisa para que a escola cada vez tem menos competências). O acento nesta circunstância  é colocado atualmente não no saber e na consciência, e mais na propaganda e na influência. E muito menos na sabedoria, e na capacidade de criar um sereno espírito crítico.

A colaboração entre a escola e a família deve ser sempre entendida em termos e práticas de compreensão, de colaboração, de entreajuda, salvaguardados os campos de cada uma. A escola deve ter autonomia e capacidade de atenção, acolhimento e abertura nas suas competências próprias.

Este sentido de afirmação das competências próprias da escola, no diálogo com as famílias, parece ter vindo na ser esquecido pelas legislações sucessivas, criando universos de dúvidas e de conflitos, em lugar de uma salutar colaboração. Talvez aqui se deva ter em conta o pensamento de Ortega y Gasset, que afirma que o passado não nos dirá o que devemos fazer, mas dirá o que devíamos evitar. E o futuro está a dizer o que a sociedade, os poderes, os centros de decisão deveriam ter feito e continuam sem capacidade para fazer.