O Cinema visto pela Teologia (30): o filme “Top Gun: Maverick”

Uma leitura do filme “Top Gun: Maverick*

Por Alexandre Freire Duarte

A primeira ideia que me adveio após ver este filme, com as imagens reais dos atores em acelerações brutais dentro dos habitáculos dos aviões militares, foi que se (já) tivesse dentes falsos seguros com um creme fixativo, quiçá os tivesse engolido.

Na verdade, com “Top Gun: Maverick” estamos ante uma das mais soberbas obras de ação dos últimos anos (incluindo os pré-Covid). Uma no qual somos bombardeados por adrenalina asfixiante em todas as ocasiões em que as espetaculares e impressionantes cenas aéreas, cheias de opulência e espanto sobretudo quando desafiam a lógica gravitacional, surgem num ecrã que, como deveria acontecer em todos os filmes, como que nos puxa para ele. Momentos há em que não são os olhos da face que veem esta obra, mas os das nossas vísceras a pulsarem por todo o lado.

Não nos enganemos: este filme existe, às vezes de um modo tão narcisista que já nem parece narcisismo, para o seu ator principal. O seu romance com a sempre magnífica Jennifer Connelly é cativante, mas as demais personagens (mesmo as que mais interagem dramaticamente com aquele no meio de uma dignidade substancial) parecem simples arquétipos sem grande profundidade. Posto isto, a emoção e a comoção (por vezes doces e pungentes, embora a tocarem um excesso de sentimentalismo); o humor (autocrítico); a música; a edição cuidadosa; e as cenas nostálgicas, elevam este filme a um patamar de qualidade assinalável.

Já foi apontado o narcisismo (quase auto-mitológico e também nacionalista) que envolve parte considerável desta obra. Mas sendo o mesmo, por vezes, tão extremo, quase que passa desapercebido no meio de três ou quatro dramas pessoais que se cruzam com maior ou menor acuidade. E são estes, e não tanto a já mencionada ação, que resgatam este filme da sua espetacularidade para a assunção de que vivemos, não para sermos grandes, mas para fazermos os outros maiores. Eis, assim, a lealdade, a amizade, a compaixão, a comoção e a forte moralidade a convergirem numa compacta história que leva a reconciliações através de perdões, sacrifícios e o empenho libertador do amor tão efetivo quão afetivo.

Isto não são relíquias do passado, mas esteios do futuro mais pleno. Não é, de facto, isto que nos faz humanos? Não é isto que nos faz querer viver a maior aventura em que podemos participar? Não, claro está, a de uma qualquer série de acrobacias aéreas estratosféricas, mas a de deixarmos o nosso coração ser cristificado e crucificado pela generosidade e gentileza de um nosso amor que, assim moldado, não nos facilitará a vida, mas permitir-nos-á acolher a Vida.

Só assim, e como surge sabiamente espelhado neste filme, o ressentimento, a (na realidade inexistente) inevitabilidade, a rivalidade, a frieza em que não poucas vezes vivemos nas instituições em que estamos inseridos, são superadas e a comum missão da humanidade é realizada, talvez entretecida com lágrimas conjuntamente de piedade e alegria. Com lágrimas que, assim, enxugam as de Deus-Amor.

(* EUA, 2021; dirigido por Joseph Kosinski, com Tom Cruise, Jennifer Connelly, Miles Teller e Ed Harris)