Mensagem (173): O desejo

A pessoa é finita e carente, di-lo a filosofia e experimentámo-lo nós todos os dias. Como limitada, aspira, sonha, idealiza, projeta, procura transcender a penúria em plenitude. Numa palavra: deseja.

O desejo não coincide, portanto, com o apetite biológico, com o mero estímulo sensorial ou mesmo com a lucubração psicológica. Não se limita àquela inveja ou ganância que leva, por exemplo, a querer o telemóvel topo de gama ou o automóvel onde imaginamos que resida a felicidade.

Como anelo persistente e motivador, o desejo assegura que a pessoa é uma eterna insatisfeita e, mental e vivencialmente, busca o diferente, o superior, o imaterial, a novidade que ultrapassa o comezinho da existência para se fixar num sentido global para a mesma. E «obriga» a perscrutar essa outra realidade, numa árdua tarefa de encontrar aquilo que nos possui e envolve.

Na sociedade de consumo, é fácil sufocar o verdadeiro desejo com o disfrute das coisas criadas, transformadas pelas mãos humanas. E a pessoa torna-se homo faber e homo ludens. Homem alienado, porque, centrando-se nos objetos, situa-se fora de si e torna-se surdo aos apelos da ânsia de um mais que o habita. E também é fácil transmutar o desejo em apetite concupiscível. Neste caso, a finalidade última coincide com a satisfação do estímulo das hormonas. E a tensão dissolve-se nos meios a usar para chegar a essa posse.

A humanidade divide-se, assim, entre os que se movem pelo nobre e poético desejo e os que a mais não aspiram que não seja a satisfação prosaica dos instintos básicos. Instintos que, embora sempre artificialmente multiplicados, na prática, tal como nos animais, se confinam às questões da alimentação, reprodução e conforto. O que não transcende a pura animalidade.

No polo oposto, estão os místicos, os da busca perene. Mas também os eternamente inquietos, mesmo que não encontrem o «objeto» da procura: artistas, filósofos, pensadores e poetas. Muitas vezes, parecem ateus. Mas não são: o impulso de percorrerem o caminho, já lhes assegura que são possuídos pelo desejo. Talvez estes, mais que ninguém, possam gritar como o profeta, mesmo que não saibam que se dirigem ao Senhor: “Vós me seduziste-me e eu deixei-me seduzir! Vós me dominaste e venceste” (Jer 20, 7).

Uma vitória que interessa tanto ao vencido como ao Vencedor.

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