O Cinema visto pela Teologia (29): o filme “A Lenda do Cavaleiro Verde”

Uma leitura do filme “A Lenda do Cavaleiro Verde”*

Por Alexandre Freire Duarte

Já se passou quase um ano desde que vi “A Lenda do Cavaleiro Verde” nos cinemas. As notas que, então, escrevinhei sobre ele, parecem-me, agora, quase tão confusas e indigentes como o mesmo. Porém, de tanto ouvir, ao longo deste ano-letivo, os meus alunos falarem sobre esta obra, aqui ficam umas palavras sobre ela.

Creio compreender os motivos de tais alunos terem gostado deste filme: trata-se de uma sombria e disruptiva, mas encantadora, fantasia de pendor medieval; a trama imaginativa é abstrata, onírica e assaz coesiva; a cinematografia é luxuriante e bela; o ritmo é lento e, conjuntamente com a música enervante, cria uma empatia quase mágica com o percecionado; as atuações são cuidadosas, bem entrelaçadas e evocativas; enfim, o fim é deixado em aberto, permitindo, bem de acordo com os gostos pós-modernos, distintas leituras que convidam ao debate.

Ocorre que nada disto oculta o pendor anticristão que perpassa, intencionalmente e de modo nem sempre discreto, quase toda esta obra. Deveras, a nível do seu desígnio, ela é uma crítica à leitura cristã do fim do paganismo. Segundo “A Lenda do Cavaleiro Verde”, o Cristianismo é um simples mito falso – seja na sua mensagem capital (focada na Incarnação e na Cruz), seja nos seus valores de honra, integridade, castidade, honestidade e temperança –, que fez com que se perdesse uma mais franca e pura ligação telúrico-natural com a natureza.

Mesmo quando este filme imprime, sedutoramente, a sobredita leitura – facilmente inapercebida pelos mais jovens –, o mesmo, no fundo, conduz a um desfecho em que a personagem principal é alguém desamparado, sem meta alguma além de uma (aproximação à) morte que se reduz a um abismo num fracasso sem-sentido. A uma serena submissão apática, que acaba por apontar para a futilidade de se querer ser mais do que uma mera bolha de lama que se fez consciente.

A própria busca da grandeza, com ou sem bondade, é desvalorizada face a uma natureza (nada “verde”) que, ultimamente, tudo tragará e mostrará a vacuidade vaidosa de se querer – inclusive pelo amor (de que a figura principal parece ser incapaz) e os seus efeitos – acolher o dom de uma vida plena, a qual não passa por mais tempo de vida, mas por uma existência na Vida. Na realidade, a história reduz-se a um hino amoral e agracioso da individualidade ecológica desconhecedora da importância dos demais, tornando-se o “herói”, assim e desde uma perspetiva cristã, no seu próprio único adversário, pois órfão de uma visão, pelo menos humanista, da realidade e, justamente, do que é ser-se um “ser humano” em sentido normativo.

Não digo “não se veja este filme”, genuinamente ateu e ultra-relativista. Pelo contrário: todo o cristão adulto e maduro nas suas convicções devê-lo-ia ver, até para conhecer melhor o caldo cultural em que vivem, ou gostariam de viver, tantos daqueles que connosco partilham esta “gota” de eternidade a que chamamos “presente”. Em que vivem, como espectros sem identidade, os novos pagãos numa (inexistente) fatalidade cósmica que injectam no nosso entorno.

*(EUA, 2021; dirigido por David Lowery, com Dev Patel, Alicia Vikander, Joel Edgerton)