
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
A Igreja celebra todos os anos, na terceira sexta-feira após o Pentecostes, a solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Trata-se, portanto, de uma festa móvel, cujo dia, dependendo da data da Páscoa, pode variar entre 29 de maio e 2 de julho. Sendo relativa à celebração pascal, esta festividade liga-se estruturalmente à celebração do mistério de Cristo no ano litúrgico: faz parte do «Próprio do Tempo», a parte principal do Missal (incluindo o Lecionário) e da Liturgia das Horas. Efetivamente, o seu conteúdo celebrativo é indissociável do acontecimento salvífico de que a Liturgia celebra o memorial no Sacratíssimo Tríduo da Páscoa vindo a constituir, de algum modo, um duplicado, de origem devocional, em que o «tudo» da Redenção é contemplado e celebrado a partir do «símbolo real» do amor divino-humano que é o Coração Jesus.
A «marca» devocional desta festividade, que decorre da história da sua instituição, transparece na escolha de um determinado dia da semana – sempre uma sexta-feira – para a sua inscrição no Calendário. O dia escolhido reforça a convicção de que esta solenidade não é uma mera «festa de ideia». De facto, não pode entender-se desligada da paixão e morte de Cristo, a imolação do verdadeiro Cordeiro pascal cujo lado foi aberto pela lança do soldado que trespassou o seu coração fazendo jorrar o rio que alegra a cidade de Deus, a torrente do Espírito prometido, os sacramentos da Igreja e a Igreja dos Sacramentos. Os Padres da Igreja, que nos ensinam a ler para além do sentido imediato dos textos e dos factos, reconhecem que é deste lado aberto do novo Adão, deste coração ferido, que nasce a nova Eva, o admirável Sacramento de toda a Igreja. A Paixão é todo um mistério de amor.
Na Idade Média, no ambiente monástico beneditino e cisterciense, a contemplação dos místicos que se focalizam no lado aberto do Redentor tem expoentes como Santa Lutgarda (+1246), Santa Matilde de Magdeburgo (+1282), a grande Santa Gertrudes de Hefta (1256-1302), São Bernardo de Claraval, entre outros. É a espiritualidade do coração aberto do Senhor que começa a fazer caminho e confluirá, mais tarde, numa devoção particular.
Os dominicanos e franciscanos, a partir do século XIII, vão difundir esta espiritualidade entre o povo e, ao mesmo tempo, dar-lhe profundidade teológica nas suas Escolas. Destaquemos São Boaventura. Se até então a piedade se comprazia em contemplar um Cristo crucificado mas revestido de paramentos pontificais, cujo coração triunfante reinava pela atração que exercia sobre todos os corações humanos, agora é a humanidade despojada de Cristo – na pobreza do presépio e na nudez do Calvário – que recolhe o afeto comovido dos crentes, atraídos pelo coração trespassado do Redentor. Nesta senda se movem os místicos renanos.
Na Idade moderna, destacam-se, entre muitos outros, São Pedro Canísio e São Francisco de Sales (1567-1622). Este insistia na conformação dos corações humanos com o coração divino, recomendando a imitação dos sentimentos íntimos de Cristo, como a humildade e a doçura. Ele vai ser, com Santa Joana de Chantal, cofundador da ordem da Visitação, a que veio a pertencer Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), que será agraciada com confidências místicas do Sagrado Coração de Jesus. A difusão destas revelações e o fervor devoto que elas alimentarão levará à posterior instituição e universalização da festa. Contudo, o primeiro a promover o culto litúrgico do Sagrado Coração de Jesus (e, também, do Imaculado Coração de Maria) foi São João Eudes (1601-1680), «pai, doutor e apóstolo» desta devoção. Em 20 de outubro de 1672, com a aprovação do Bispo diocesano, ele fez celebrar em Caen e em 4 dos seus seminários a Missa e o Ofício do Coração de Jesus.
Resumindo: o culto litúrgico ao Sagrado Coração de Jesus deriva das festas em que o Coração de Jesus é englobado no mistério da Paixão e das Santas Chagas, a partir do século XIV. Na Idade Moderna, a atenção focar-se-á de forma explícita no Coração de Jesus, nomeadamente a partir de São João Eudes e da mensagem de Santa Margarida Maria Alacoque. Na senda das revelações místicas desta última, a festa, com Missa e Ofício e com as características que depois se generalizaram, começou por ser concedida por Clemente XIII, em 1765, à Polónia e à Arquiconfraria romana do Sagrado Coração (fundada em 1729). Pio IX, em 1856, alargou a concessão desta festividade à Igreja universal.
O magistério supremo da Igreja tem-se feito promotor da devoção e do culto litúrgico ao Coração de Jesus. Destacamos algumas intervenções marcantes: Leão XIII, sob influência da «nossa» Beata Maria do Divino Coração (encíclica Annum Sacrum, de 25 de maio de 1899), Pio XI (encíclica Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928), Pio XII (encíclica Haurietis aquas, de 15 de maio de 1956), Paulo VI (cartas apostólicas Investigabiles divitias Christi, de 6 de fevereiro de 1965 e Diserti Interpretes, de 25 de maio de 1965).