O Cinema visto pela Teologia (28): o filme “A Vida Depois de Yang”

Uma leitura do filme “A Vida Depois de Yang​​

Por Alexandre Freire Duarte

Quem, ainda vivo, é conhecido apenas por um nome, pode parece ser maior do que o Mundo. Talvez o seja; talvez o façam ser; mas no caso presente não sei a razão de Kogonada ser só Kogonada, além de uma grande bizarria que se estende ao facto de não sabermos sequer o seu nome verdadeiro (Kogonada é um pseudónimo que, de acordo com o “professor Google”, significa algo como “campo nobre”).

Mas aos artistas, sejam estes talentosos ou não, dá-se-lhes este privilégio, e depois de se ver “A Vida Depois de Yang, não ficam dúvidas de que Kogonada é um genuíno artista. Um brilhante artista que gere uma obra em que o ritmo é pausado; o tom é melancólico e agridoce; os desempenhos são todos de valia, bem dirigidos e repletos de um toque terno e discreto que se estende aos diálogos ponderados e refletidos; a musica convida à contemplação (ou ao sonho); os níveis de leitura são diversos; a estética é exemplar e a harmonia disto tudo é excelente.

Esta obra, no fundo, é uma reflexão metafísica sobre o que é ser-se um ser humano e o que significa estar vivo, ostentada sob o aspeto de um filme de ficção científica (passado num futuro que, face ao ambiente geral exibido, já quase soa ao presente). Poderá, alguma vez, uma máquina feita para ser como um “ser humano” (um “tecno sapiens”) ser um “ser humano”? Depende, claro está, do que crermos ser um “ser humano”, e, na verdade, o filme não dá uma resposta a esta questão.

Todavia, colocando Kogonada esta pergunta no meio de uma contextura centrada num drama familiar de perda, tristeza, revolta, negação e possível regeneração pessoal, algumas pistas são-nos dadas para possíveis respostas a tal interrogação. De facto, o referido renovar vem da constatação de que o essencial no ser humano não é o labor ou o sucesso profissional (às vezes vividos com uma áspera veemência isolante). É, isso sim, o tempo, de qualidade empática e de quantidade relacional, passado com aqueles a quem amamos e, sobretudo, o modo como os amamos e os trazemos nas nossas multifacetadas memórias.

Quantas barreiras, sobretudo afetivas, temos ainda que superar, para sermos uma só família humana? Quantos obstáculos devem der derrubados (e deixados de ser construídos), para que todos os ramos da nossa árvore (e os que nela poderão ser vistos, por nós e quiçá, como meros enxertos) nos deem a entender que o que importa não é o que em nós é perecível (e pode surgir de um laboratório imitável), mas o que em nós é eternizável (e decorrente de sermos inimitáveis imagens semelhantes do Deus-Amor?) Para, abandonando (porventura “mortalmente”) as precisões frias tendo em vista o assumimos as imprecisões mais calorosas, reconhecermos que as nossas origens existem em função da nossa Meta comum no Deus-Trindade “aonde” só chegaremos deixando-nos fazer amor?

Seja como for, só assim seremos humanos além do rótulo “homo sapiens”.

(EUA, 2021; dirigido por Kogonada, com Colin Farrell, Jodie Turner-Smith, Malea Emma Tjandrawidjaja)