O Cinema visto pela Teologia (27): o filme “A Tragédia de Macbeth”

Uma leitura do filme “A Tragédia de Macbeth​​

Por Alexandre Freire Duarte

Um filme realizado apenas por um dos irmãos Coen? Parece, inversamente, tão estranho como antepor-se “Tragédia” a “Macbeth”. Se no primeiro caso, a falta é sentida, no segundo, o acrescento é uma redundância sem sentido. De qualquer modo, trata-se de uma das obras cinematográficas mais intrigante e curiosa dos últimos anos. Não pela história, mas pela abordagem dada a essa mesma história.

Partindo claramente “à descoberta” (mas sempre dentro de um universo cinematográfico niilista), Joel Coen joga, com mestria, com: interpretações magistrais (embora, por vezes, circunscritas), tons a preto e branco encharcados em cinzentas neblinas surreais de diversas índoles, músicas sinistras e lúgubres, edificações superficialmente erigidas, e uma trama exposta grotescamente de modo severo e direto (apesar de expressionista). Somando a isto, esta adaptação minimalista do épico (mental e córdico) de Shakespeare parece-se com uma peça de teatro vista à volta de um palco e, assim, genial na sua conceção cinematográfica.

O dito minimalismo (que torce alguns elementos não despicientes que conheço da trama original) força-nos a ficar encharcados no essencial de uma trágica luta. Uma luta (repleta de ambição, inveja, subserviência, traição, violência e loucura) entre o bem difícil do amor e o mal fácil do desamor (aqui representado, em momentos-chave, pelas predições sobre o futuro – a que tantos dos nossos contemporâneos se entregam supersticiosamente com uma aflição absurda e malsã).

“A Tragédia de Macbeth” mostra que não precisamos de ser agredidos ou atacados para sofrermos os frutos acres do mal. Basta darmos alforria às mais mínimas sugestões equívocas de riqueza, poder e prestígio que chegam até nós, e, depois, autorrealizarmos, quiçá em graus intensos e com maior ou menor astúcia destrutora, o que era uma mera possibilidade que poderíamos ter ignorado.

Chegados a esse ponto (em que, além da mente, também o nosso espírito fica totalmente afetado), “não haverá” terapias ou fármacos que nos possam ajudar. Só Deus nos poderá auxiliar, pois só Ele, com a nossa recetividade ativa, nos poderá arrancar das consequências cegas e paranoicas da culpa psicológica associada, por vãs expectativas, à irresponsabilidade religiosa. Só Ele nos pode fazer regressar à sanidade lúcida, expressa na perceção correta: do sentido, da liberdade e das consequências justas inerentes ao amor que sustenta tudo isso.

Nesse dramático e radical patamar de putrefação psíco-espiritual, vemo-nos tragados por uma apatia entorpecedora, porventura resultante de pequenas decisões supostamente inocentes, mas já deveras corruptas e corruptoras (também para as “gerações” vindouras, com cujo bem, às vezes, justificamos tais escolhas). Eis-nos, assim, tantas e tantas vezes incapazes de empatizar com Deus e a Sua ação amorosa e, portanto, incapazes de Lhe estendermos as mãos, a voz, o pensamento.

Tudo isto pode ser ruinoso e até “mortal” a distintos níveis, e este filme mostra-lo de forma exímia, só falhando ao não mostrar que, no fim, o amor ainda pode triunfar.

(EUA, 2021; dirigido por Joel Coen, com Denzel Washington, Frances McDormand, Alex Hassell, Bertie Carvel e Brendan Gleeson)