À volta do novo Missal

Por Jorge Teixeira da Cunha

Foi posta a circular uma nova edição, a terceira, do novo missal para a celebração da Eucaristia. Outras, certamente, se vão seguir para os outros sacramentos e sacramentais. Isso é uma boa notícia, pois a evolução rápida da cultura modifica a linguagem e a sensibilidade crente. Este novo missal devia começar a ser usado a partir da Páscoa deste ano.

A primeira observação que ocorre fazer é sobre a impossibilidade de o usar em muitas celebrações, pois não existem livros disponíveis. Este facto tem certamente explicações como a escassez de matérias-primas para a produção dos volumes. Mas nenhuma explicação foi dada para a estranha circunstância de ter entrado em vigor uma obrigação das paróquias que é impossível de cumprir. Por outro lado, muitas não têm pressa de comprar os vários volumes de que necessitam para os diversos lugares de culto devido ao esforço financeiro que isso comporta. E é sabido que muitas estão em dificuldades para se manter.

Mas além desta questão prática, um olhar à nova tradução deixa um sabor a uma oportunidade perdida para ir mais além na adaptação da linguagem e da teologia. Sabemos como isso é uma tarefa difícil. De facto, as fórmulas da oração da Igreja são algo que pretende ser global, coisa que se torna cada vez mais difícil no nosso mundo em mutação rápida. Ter uma fórmula ritual que possa ser usada, com poucas variantes, desde a Europa ao extremo oriente é uma coisa notável. Mas é isso que acontece com as fórmulas da oração da Igreja católica.

A lamentação que, apesar de tudo, fazemos tem que ver com a necessidade de ir inovando alguns aspectos que são de ordem cultural, de ordem ética e de ordem teológica. Os liturgistas conservam entre si um belo refrão que sempre citam em latim e que soa deste modo: “lex orandi, lex credendi”, ou seja, o conteúdo da oração identifica-se com o conteúdo da fé. Isso é manifestamente verdade. Mas não se deve esquecer que a inversão da fórmula também é exigida: “lex credendi, lex orandi”, ou seja, que a sensibilidade crente deve passar também para a fórmula litúrgica. É neste sentido que nos parece que algo devia ser feito para melhorar a fórmula litúrgica em muitos momentos. Atrevo-me a dar alguns exemplos de aspectos que podem ser melhorados, tanto na Eucaristia como nos outros sacramentos.

O primeiro desses aspectos é a permanência de expressões que aludem à antiga ordem feudal das sociedades antigas. Muito usada é a palavra “servo” ou “servos” que dificilmente é compreensível na nossa escala de valores. Podemos sempre substituí-la por “filho/a”, mas isso poderia ser passado para os livros litúrgicos de uma vez por todas. Uma linguagem que procure ser mais conforme com a sensibilidade ética, quando à fraternidade, à proximidade de Deus com os crentes, é sempre bem-vinda. O mesmo se diga do objectivo de tornar a linguagem inclusiva, mesmo sem subscrever todas as exigências, tantas vezes insensatas, das teorias de género.

Um segundo aspecto é teológico. Este é ainda mais complexo. Sabemos como as traduções têm sempre pressupostos teológicos e, por isso, é impossível agradar a todos. Porém, não deveriam ser sempre as opiniões de uns a ser seguidas e as dos outros a serem preteridas. Porém, há aquisições teológicas que parece tempo de passar para as fórmulas de oração. Muitos exemplos haveria. O tratamento de Deus por soberano, a alusão aos méritos do sofrimento de Cristo distribuídos por ocasião dos sacramentos, a visão do mistério pascal de Cristo como “meio” para chegar à vida, e outros modos de falar semelhantes, são muito questionáveis do ponto de vista teológico.

Há muitos crentes que se sentem pouco cómodos com fórmulas usadas na liturgia e que reafectem uma sensibilidade estética impossível de ser recebida. É o caso da falta de significação existencial da famosa “renúncia a satanás” do credo baptismal, da “descida aos infernos” do símbolo apostólico, da antropologia dualista daa fórmulas exequiais. Reparemos que uma coisa é manter essa linguagem como património histórico e outra é usá-la na oração. É um assunto que tem de ser pensado.

Peço aos liturgistas que não me levem a mal estas sugestões que sei bem que não podem ser aplicadas com pressa e sem uma lenta recepção pelo povo de Deus. Mas creio que é necessário ir fazendo algum trabalho crítico. E isso só pode ser obra de muitos a pensar e a propor. A universalidade do missal pode ser mantida com muita criatividade, como se pode ver numa comparação dos missais das línguas próximas da nossa.