Uma prática sinodal antecipada

Por M. Correia Fernandes

A Assembleia Diocesana Pré-Sinodal, anunciada e realizada no dia 14 de maio de 2022, constituiu uma forma de pôr em comum experiências assumidas e postas em prática em muitas das 477 paróquias da Diocese, como caminho para a partilha das grandes inquietações das comunidades eclesiais dos nossos dias em relação à grande missão da mensagem evangélica para os novos tempos e para toda a humanidade. Neste encontro se partilharam sentimentos, experiências e inquietações dos cristãos da Diocese.

Esta experiência que é apenas um dos tramos da caminhada sinodal para conduzir aos centros de decisão da Igreja Católica as inquietações, a presença e disponibilidade de cristãos conscientes e portadores de algum dinamismo sugere uma aproximação com o passado inicial e gerador de todas as dinâmicas cristãs. Recorde-se que foi desde o dia de Pentecostes que os primeiros três mil batizados, que eram “judeus piedosos vindos de todas as nações” (Atos, 2,5), certamente nas suas terras (desde o norte de África à Síria, à Ásia Menor e à Grécia) se tornaram os primeiros que deram a conhecer Jesus como o Messias anunciado, na palavra dos apóstolos naqueles dias (Atos, 2,32).

Referia a leitura do quinto domingo pascal a passagem dos Actos dos Apóstolos (cap. 14) em que Paulo e Barnabé regressaram da sua primeira viagem, realizada ao longo de três anos. Na sua ação evangelizadora “fizeram muitos discípulos”, e fizeram uso do método que conduziu à criação das comunidades: “designaram-lhes presbíteros em cada igreja e tendo orado encomendaram-nos ao Senhor, em quem haviam confiado”. Note-se: designaram presbíteros “e tendo orado”. Aí está talvez uma falha dos nossos modelos pastorais: elaboram-se muitos documentos, organizam-se missões e tarefas, mas sem insistência nessa referência do “tendo orado”.

No  regresso, voltaram pelos locais e comunidades que haviam fundado ao longo da Ásia Menor, chegando até Antália, e depois até a Antioquia, na Síria, de onde tinham partido para esta primeira viagem.  Repare-se: “Chegados ali, reuniram a igreja e relataram o que Deus tinha feito por meio deles e como abrira a porta da fé aos gentios. E ficaram ali muito tempo com os discípulos.

Quem seriam estes “discípulos”? Quem seria esta igreja?  Certamente ainda estariam por aí os apóstolos, certamente  o próprio Pedro. Vieram eles então em missão de partilha, em verdadeira missão sinodal. Havia de facto dados novos, transformações essenciais no sentido da dinâmica da Palavra e da evangelização. A nova realidade agora era a novidade de os cristãos terem vindo do paganismo. Lembramos que os primeiros batizados foram “tanto judeus como convertidos ao judaísmo” (Act. 2). Dava-se então uma profunda transformação nos novos membros da Igreja.  Até aos nossos dias, estas transformações foram-se verificando por múltiplas formas: a evangelização do Império romano, a evangelização  dos povos “bárbaros” na Europa saída do Império, a evangelização dos povos eslavos, a grandiosa Idade Média e o confronto com o mundo árabe, o renascimento, o racionalismo, o iluminismo, as correntes modernas oitocentistas, as correntes atuais do pensamento e da prática das civilizações.

Neste século XXI novos são os problemas com que se defronte a humanidade: os dramas das lutas e das guerras (que nunca deixaram de existir mas que para a sociedade moderna são mais dolorosas), as doutrinas que agitam a sociedade atual, problemas como o racismo, os direitos das minorias, os esquemas de exploração e de corrupção, o direito à vida e apena de morte, o controlo das fontes da vida e da informação, a difusão da mentira, a agitação das redes sociais… são dados novos para os quais importa que a mensagem evangélica continue a lançar os seus ideais, valores éticos e morais, valores espirituais. A Palavra salvadora tem de continuar viva no meio do universo ruidoso que envolve a sociedade de hoje. O apelo de Francisco “à fraternidade e à amizade social” (Fratelli Tutti, n. 2), a “evitar toda a forma de agressão ou contenda” (ib, n.3) não pode deixar de ser o ideal para superar as ambições e os ódios. Ao falar de uma nova “cultura do encontro”, de gerar processos de encontro, de edificar uma arquitetura e artesanato da paz, esta será talvez uma linguagem que os universos mentais de hoje terão dificuldade em assumir, mas o esquecimento destes caminhos do encontro estão na base dos dramas que vamos sofrendo.

A nova via sinodal não pode ser exclusiva da Igreja: tem que ser uma exigência de toda a sociedade humana!