O Cinema visto pela Teologia (23): The Batman

Uma leitura do filme The Batman” *

Por Alexandre Freire Duarte

O primeiro filme acerca do qual ousei pronunciar-me teologicamente nas páginas da “Voz Portucalense” (“Joker”) delineava um universo sócio-cultural acerca do qual só pude, no fim do meu texto a respeito do mesmo, escrever «a resposta à mesma [violência] não é mais violência (sonhada ou praticada), mas a implementação do amor edificador da justiça». Matt Reeves, com o seu “The Batman”, parece ter lido as minhas palavras (não leu; garanto).

Sim; o universo em que somos submergidos permanece densíssimo e escuro, num vórtice de desespero, violência e corrupção que mistura o apontar de problemas que todos nós conhecemos – manipulações informativas; teorias da conspiração; crime ostensivo; desânimo ante a injustiça da justiça; arrogância e (des)controlo de figuras públicas; política envenenada; religiões narcisistas; etc. – com a sua apresentação tensa, ampliada, impressionista e distópica. Mas, como veremos, uma luz surge no meio disso.

Isto não é indiferente do facto de estarmos, menos ante um filme de ação (que existe em abundância), do que face a uma refletida história detectivesca, com personagens complexas, uma singular química pessoal entre os atores, uma música visceral, uma fotografia que junta paletas chuvosas e escuras com tons quentes e acolhedores, e um trabalho de câmara espantoso que definem uma identidade cinematográfica fresca, audaz e substancial.

A história em si é um clássico que ressoa a algo matricialmente cristão que acompanha o arco da transformação, moralmente ambígua e insegura, da personagem principal. Se, no início, esta estava focado no ingénuo combate resguardado à violência através da vingança e do infligir medo, no fim, após um simbólico batismo auto-sacrificial, a mesma surge mais vulnerável, madura, confiante e reconhecedora que o mal só pode ser vencido sem se usar as suas estratégias.

Sim, essa transformação, no filme e nas nossas vidas, obriga a que confrontemos as sombras que são carregadas nas texturas do nosso coração em consequência de feridas do passado e dores do presente. Por mais que esse confronto comporte pesos emocionais, mentais e espirituais inegáveis – que eu diria serem inevitáveis em qualquer mudança para melhor –, não há alternativa ao mesmo para quem deseja ser uma melhor pessoa e até um cristão mais cristificado e cruciforme.

Isto, tal como acontece amiúde na geografia de “The Batman”, poderá conduzir-nos aos “subúrbios” decrépitos e voláteis da nossa “alma” e, correlativamente, das “almas” daqueles com quem vivemos. Mas se, unidos pela força aglutinadora do amor divino e humano, permanecermos vigilantes para deixar a luz da Luz do Senhor refluir pelas nossas vidas, não haverá obscuridade mundana que nos possa impedir de chegar à alegria da existência, que enfrenta as sombras da iniquidade com a certeza de quem, querendo crer, crê a querer; de quem comunica verdade, esperança, compaixão e bondade.

(*USA, 2022; dirigido por Matt Reeves; com Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Jeffrey Wright, Colin Farrell)