“Todos os domingos me sinto acompanhada”

Por João Alves Dias

Em 17 de outubro de 2018, sob o título ‘Coerência Exemplar’ prestei homenagem a Frei Bernardo Domingues. Hoje, é o também dominicano e seu irmão de sangue Frei Bento Domingues que merece a minha honra. E faço-o a propósito da ‘sessão evocativa’ dos ‘30 anos de crónicas no jornal Público’ que se realizou no passado dia três.

Esta efeméride fez-me recuar ao tempo em que, por convite do cónego Amadeu Ferreira Silva, então pároco de Campanhã, orientei um grupo de jovens que, após o crisma, quiseram continuar a sua formação catequética. E porquê? Porque, em cada semana, o tema de análise e reflexão era o último texto de Bento Domingues, no Público. Era a palavra evangélica encarnada nas situações concretas da vida. Cada participante tinha o compromisso de, previamente, o ler em sua casa. Para criar sintonia, a sessão abria com a leitura em voz alta do texto. Após uns momentos de silêncio, cada um expunha a palavra, perícope ou frase que havia sublinhado e apresentava as razões da sua opção. A ideia que havia concitado mais atenções funcionava como alavanca para a posterior reflexão. Esta metodologia agarrou, durante vários anos,  aqueles jovens que se encontravam todas as tardes de sábado. Muitos já estavam licenciados e continuavam a frequentar. Vários só se separam quando  se casaram. E vários casamentos nasceram destes encontros.

Tínhamos encontrado quem tirava “a religião da sacristia, mostrando como ela alimenta atitudes e culturas com repercussões no espaço público e como por sua vez se enriquece e é interpelada pela vida que ocorre na praça pública”. Com ele, os jovens descobriram “a alegria de acreditar no Deus de Jesus Cristo”.

Esta experiência faz-me estar de acordo com o que Jorge Wemans disse na supramencionada ‘sessão evocativa’ :

“A escrita de Frei Bento Domingues revela-nos – sem proselitismo nem falsos pudores – as conceções antagónicas do ser humano, do homem e da mulher, que se escondem por detrás de algumas bizantinices eclesiais, ou nos debates que parecem ser sobre o sexo dos anjos, mas que na verdade nascem do enfrentamento de visões opostas sobre o destino da humanidade. Contudo, se o nosso autor é um decifrador dos enredos religiosos em cujos bastidores nos faz entrar, não se compraz em permanecer neles, pois ele é sobretudo um decifrador do enigma de se estar vivo, de viver. Da vida em sociedade”.

Foi com satisfação que li, no 7Margens, o testemunho de Carmen Garcia, enfermeira que escreve no Público aos domingos.

Conta ela que seu pai –  “ateu convicto, arrepiava-se sempre que a minha tia materna começava com aquilo a que ele, zangado, costumava chamar beatices” – um dia chamou-a e disse-lhe. “Depois lê aqui esta entrevista”. “Mas é de um padre!”, exclamei admirada. “É” – respondeu-me, “mas este é um padre diferente e parece que, tal como tu, também não tem uma relação fácil com a cruz”. E esta foi a primeira vez em que ouvi falar de Frei Bento.

E confessa-se grata: “Todos os Domingos leio as suas palavras. Ou melhor, lemos. O ateu lá de casa continua a ser-lhe fiel. E todos os Domingos descubro alguma coisa nova. Todos os Domingos percebo outro ângulo. Todos os Domingos encontro esperança num qualquer parágrafo. Todos os Domingos me sinto acompanhada”.

Obrigado, Frei Bento. A minha modesta homenagem, fazendo memória do seu irmão Frei Bernardo, um amigo que muito estimava.