Em Maio vamos pensar o trabalho

Por Jorge Teixeira da Cunha

O mês de Maio é tradicionalmente consagrado pelos movimentos de Acção Católica a gestos em favor do melhoramento das condições de trabalho e ao aumento da solidariedade dos trabalhadores. Mesmo que esses movimentos estejam a passar dificuldades, pois o número de militantes diminui, a sua idade aumenta, convém que sejam acarinhados e incentivados pela Igreja. A sua missão é importante para todos. Após a crise pandémica, os trabalhadores cristãos notam que as condições laborais se apresentam piores, que a pobreza aumenta, mesmo entre os que estão empregados, que o sindicalismo diminui a sua força. A fé cristã tem uma lucidez indispensável para pensar a questão do trabalho que, no dizer sempre repetido da doutrina social da Igreja, é o centro da questão social.

Em Maio sempre se celebra o aniversário da encíclica “Rerum Novarum” que, no longínquo ano de 1891, representou o princípio de uma atenção contínua à sorte dos trabalhadores. Desde 1981 que não foi publicada mais nenhuma encíclica sobre este assunto. E o mundo de hoje bem dela necessita, pois, o trabalho não deixa de nos desafiar como cristãos a ser melhorado. Esperemos que o Papa Francisco nos possa surpreender ainda no seu pontificado com um olhar para este assunto de grande gravidade. É que o trabalho não é apenas um modo de ganhar o pão. É também uma condição decisiva para a entrada do ser humano na dignidade. É, portanto, um problema ético e moral e não apenas funcional.

Se quiséssemos fazer um esforço para discernir quais os aspectos que nos fazem mais dificuldade nas condições em que hoje acontece o trabalho humano, elegeríamos duas grandes questões: a apropriação do trabalho pelo sujeito trabalhador e a transferência do rendimento do trabalho o sujeito do trabalho.

A questão da apropriação do trabalho pelo trabalhador tem especial acuidade nos nossos tempos de desenvolvimento tecnológico. A tecnologia é bem-vinda ao nosso mundo. Mas é necessário integrá-la de modo conveniente. A inovação tecnológica tem dado um grande contributo ao melhoramento da sorte dos seres humanos que durante milénios trabalharam duramente na agricultura, na pesca, na construção civil, na indústria. Hoje, a mão humana deixa de ser necessária nestes sectores que vão sendo conquistados pela automação. Esse facto traz uma boa notícia e uma má. A boa é que o nosso esforço árduo já não é necessário. A má notícia é que a máquina não “trabalha”, ou seja, a máquina executa tarefas. Mas a vida humana não é concebível sem referência ao trabalho e à consequente criação de valores de uso. Temos aqui, portanto, um gravíssimo problema de reforma social e política: que venha a máquina para nos poupar à escravatura; mas que venha um novo humanismo para nos integrar na nova cultura. No futuro, a maioria dos trabalhadores viverá de conceber a máquina, de a assistir, de a melhorar. Mas a inclusão de todos na tarefa insubstituível de “ganhar a vida” pelo trabalho vai ser um grande problema. É aqui que a fé cristã, a sua teologia e a sua ética política e social terão um novo lugar.

O segundo problema é mais actual. É fácil verificar que uma grande percentagem do rendimento do trabalho, hoje, é administrada pela estrutura social, pelo Estado. Dizem que é essa parte é mais de metade da riqueza produzida. Por isso, nos queixamos que o nosso salário é baixo. Isso, porém, é a contrapartida dos serviços partilhados que funcionam no nosso “Estado Social”. Temos os cuidados de saúde pagos com os descontos que nos fazem no salário, as escolas, boa parte das infraestruturas, das habitações e assim por diante. É justo que assim seja? Temos de discutir o assunto a nível político. Do ponto de vista da doutrina social da Igreja, existe uma acentuação nos direitos dos indivíduos, das famílias, na tarefa de proverem às suas necessidades mediante formas de associação baseadas no princípio de subsidiariedade. Daí parece decorrer a exigência de que se aumentem os salários para que passe sempre mais para o salário do trabalhador, e menos para a estrutura, o produto do seu trabalho. Desse modo, o indivíduo pode administrar o que é seu na sustentação de si e da sua família. Esta é uma discussão de fundo das nossas sociedades. Mas é urgente, tendo em conta o progresso do sentido da liberdade, a diminuição da corrupção e a opressão ideológica de uns grupos sobre os outros.

Há, pois, muito que discutir no mundo do trabalho. Assim haja vontade de o fazer por parte dos cristãos.